sábado, 30 de janeiro de 2010

Descaminhos entre Antes e Durante

Folhas vermelhas que resistem ao frio e a falta de ar enquanto houver Sol
:(
CONTRAPONTO
Seu pensamento é antes de tudo o de um paranóico: o sistema já venceu sempre o que se opõe a ele, já recuperou e integrou sempre aquilo que o contesta.
De onde a idéia de que a luta deve ser levada sobre um fundo de derrota primordial.
Luta-se, claro, mas com a idéia de que, de todo modo, o combate estará perdido antes, daí uma ironia que se queria "subversiva" com muito de melancolia.
Mas quem não vê que aquilo com que sonha todo o sistema é triunfar por antecipação sobre toda luta, toda oposição?
Que ele sonha se tornar mais real na vida das pessoas do que o próprio poder de resistência ou os próprios desejos delas?
Nós não vivemos numa sociedade do espetáculo, mas numa sociedade real, onde as ações são reais, nas almas e nos corpos.

:)"ELE FOI MEU MESTRE"

Tristeza das gerações sem « mestres ».
Nossos mestres não são apenas os professores públicos, ainda que tenhamos uma grande necessidade de professores.
No momento em que atingimos a idade adulta, nossos mestres são aqueles que nos tocam com uma novidade radical, aqueles que sabem inventar uma técnica artística ou literária e encontrar as maneiras de pensar que correspondem à nossa modernidade, quer dizer, tanto às nossas dificuldades como aos nossos entusiasmos difusos.

Sabemos que existe apenas um valor de arte e até mesmo de verdade : a « primeira mão », a novidade autêntica daquilo que se diz, a « musiquinha » com a qual aquilo é dito.
Sartre foi isso,
para nós.
Quem, na época, soube dizer algo de novo além de Sartre ?
Quem nos ensinou novas maneiras de pensar ?
(Sartre assimilava de bom grado a existência do homem ao não-ser de um "buraco" no mundo : pequenos lagos de nada, dizia.)

Tudo passava por Sartre, não apenas porque, sendo um filósofo, possuía um gênio da totalização, mas porque sabia inventar o novo.
As primeiras representações de As Moscas, a aparição de O Ser e o nada, a conferência O Existencialismo é um humanismo foram acontecimentos : aprendia-se aí, depois de longas noites, a identidade do pensamento e da liberdade.
Até mesmo a Sorbonne precisa de uma anti-Sorbonne, e os estudantes só escutam bem seus professores quando têm também outros mestres.

Os pensadores privados têm duas características: uma espécie de solidão que permanece como propriamente sua em qualquer circunstância; mas também uma certa agitação, uma certa desordem do mundo, na qual eles surgem e falam.
Além do mais, só falam em seu próprio nome, sem « representar » nada; e solicitam presenças brutas no mundo, potências nuas que de modo algum são « representáveis ».
Sartre traçava o ideal do escritor : « O escritor retomará o mundo tal e qual, todo nu, todo suado, todo fedido, todo cotidiano, para apresentá-lo às liberdades fundado sobre uma liberdade…

Não é suficiente conceder ao escritor a liberdade de dizer tudo !
É preciso que ele escreva a um público que tenha a liberdade de mudar tudo, o que significa – além da supressão das classes – a abolição de toda ditadura, a renovação perpétua dos cargos, a derrubada contínua da ordem – a partir do momento em que ameaça se fixar.
Em uma só palavra, a literatura é essencialmente a subjetividade de uma sociedade em revolução permanente"

Desde o início Sartre concebeu o escritor sob a forma de um homem como os outros, dirigindo-se aos outros do ponto de vista único de sua liberdade.
Sartre acaba de recusar o prêmio Nobel.

Continuação prática da mesma atitude, horror à idéia de representar algo praticamente, ainda que seja dos valores espirituais ou, como ele, diz, de ser institucionalizado.

O pensador privado precisa de um mundo que comporte um mínimo de desordem, mesmo que seja apenas uma esperança revolucionária, um grão de revolução permanente.
Em Sartre, há uma espécie de fixação na Liberação, nas esperanças desiludidas desse momento.
Ah ! juventude.

Porém, maior ainda do que a solidão do pensador privado, há a solidão dos que buscam um mestre, dos que gostariam de um mestre e que só poderiam encontrá-lo num mundo agitado.
Falamos de Sartre como se ele pertencesse a uma época acabada.
Nós é que estamos já acabados na ordem moral e no conformismo atual.
Pelo menos Sartre nos permite uma vaga espera dos momentos futuros, de retomadas nas quais o pensamento se reformará e refará suas totalidades, como potência ao mesmo tempo coletiva e privada.

É por isso que Sartre continua sendo nosso mestre.
E cada vez, a essência e o exemplo entravam em relações complexas que davam um estilo novo à filosofia.
O garçom do café, a moça apaixonada, o homem feio e, principalmente, meu amigo-Pierre-que-nunca-estava-presente, formavam verdadeiros romances na obra filosófica e percutiam as essências ao ritmo de seus exemplos existenciais.

Por toda parte brilhava uma sintaxe violenta, feita de rachaduras e de estiramentos, lembrando as duas obsessões sartreanas : os lagos de não-ser, as viscosidades da matéria.

A recusa do prêmio Nobel é uma boa notícia.
Finalmente, alguém que não tenta explicar que é um delicioso paradoxo para um escritor, para um pensador privado, aceitar honras e representações públicas.
Muitos espertinhos já tentam levar Sartre à contradição :
demonstram-lhe sentimentos de despeito, vindo o prêmio tarde demais ;
objetam dizendo que, de qualquer maneira, ele representa algo ;
recordam-lhe que, de todo modo, seu sucesso foi e permanece sendo burguês ;
deixam entender que sua recusa não é nem sensata nem adulta ;
mostram-lhe o exemplo daqueles que aceitaram-recusando, dando pelo menos o dinheiro à caridade.

Melhor seria não provocar muito, Sartre é um polemista perigoso…
Não há gênio sem paródia de si mesmo.
Mas qual é a melhor paródia?
Tornar-se um velho adaptado, uma autoridade espiritual coquete?
Ou então querer ser o abobado da Liberação?
Ver-se acadêmico ou sonhar em ser combatente venezuelano ?
Quem não vê a diferença de qualidade, a diferença de gênio, a diferença vital entre essas duas escolhas ou essas duas paródias?

Ao que Sartre é fiel?
Sempre ao amigo Pierre-que-nunca-está-presente.
É o destino desse autor trazer ar puro quando ele fala, mesmo que seja difícil respirar esse ar puro, o ar das ausências.
Ö
Atenção: Agradeço a quem buscar as fontes

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Na casa de Deus

Era uma vez no humano

O ar sempre esteve aqui e
seu significado antes de mim
está fora da minha questão de vida

"O universo significou bem antes de termos começado a saber o que ele significava...
O homem dispõe desde sua origem de uma integralidade de significante que muito o embaraça
quando se trata de atribuir um significado, dado como tal sem ser,
no entanto, conhecido.
Há sempre uma inadequação entre os dois." (Lévi-Strauss)

O ar é a casa que contém todas as casas e
cada casa não pode ficar toda vasia
nem toda completa sem ar para mim

Na casa tudo pode ser arte e
a arte sempre esteve no ar
para repassar em todas as casas

A arte se relaciona a mim e
a minha questão é fazer do ruído a voz
para fazer da palavra o verbo

A arte só acontece no ar e
a voz do verbo estrutura a casa
para minha questão nem vasia nem completa

A casa se torna mais importante que o ar e
a castração da sexualidade e pensamento
na medida entre o que resulta e seu começo

A castração só acontece na superfície e
define a profundidade física e a tola metafísica
assim impede toda sublimação bem sucedida

A sexualidade é princípio e fim ao pensamento e
sua castração cria uma fissura no corpo impensado
por onde frustrações substituem os prazeres na vida

A frustração se realiza por desmoronamento e
o pensamento se identifica com a impotência
diante da fissura que lentamente se alastra

A impotência reforça a simulação de potência e
o não realizável se confunde com utopia
quando esta é um simples sinal do inefável

A utopia é tão somente um perfume poético e
pode salvar qualquer acasalamento simulado
quando o fim do encantamento é previsto

O casamento toma o lugar da casa e
se engana que não precisa de ar
até mesmo quando intocado objeto de prazer

O prazer se revela aleatoriamente a cada instante e
não combina com o corpo nem com a metafísica
para forjar do nada a sensação de felicidade

O nada longe de ser o não ser é recíproco e
sua pertinência muito próxima da sabedoria
embora seja inexpugnável ao livre arbítrio

A sabedoria é antiga, uma ferramenta de liberdade e
única capaz de segregar as regras do ar
mas possibilita inverter os lugares do visível e do invisível.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

bicicleta e jogar pedras ninguém esquece

"Cristo nunca teve "nem a fé, nem a esperança", mas era de uma "caridade perfeita". (Suma Teológica, São Tomáz)


COISAS DEMASIADAMENTE HUMANAS

Coisas; nome comum entre crianças, quando somos, e acreditamos no encanto de cada detalhe novo no mundo.
Lembro do dia que até então jamais tinha visto um telefone sem fio, mesmo que eu e a turma já falávamos coisas como coisa natural.
Na escola, era o sonho da menina mais bonita para falar com suas fiéis companheiras.
No campinho, tinha um moleque tão sério que até hoje dá graças a Deus quando sua mãe ainda não tinha dessas coisas; dos poucos amigos que me restam da infância.
E, perdão, porra, parece até que estou ressentindo minha infância, tipo pixando exatamente o que é melhor na vida, e o que sempre tem sido o melhor, o encantamento.
Esta aparência aceito como um preço justo, porque escolhi não abandoná-lo.
Sei que o valor que recebem é dinheiro de brincadeirinha.
Eu ia até a venda do seu das quantas e voltava encantado com diversas coisas.
Há na minha infância uma tartaruga no jardim de árvores minúsculas de um casal de japoneses relíquia que cismei que ela cismou comigo.
Foi a primeira vez que a vi, mas fiquei encantado mesmo foi com a cisma.
Cheguei em casa e fingi que não estava pensando na cisma enquanto conversava.
Minha família, meus amigos e até eu mesmo, todos preferiam que eu não ficasse pensando em geral, já que não sabiam em que eu estava pensando.
Na verdade eu estava pensando na cisma enquanto todos pensavam que eu cismava de tudo.
E fingir, para agradar, que eu não estava pensando, criava sensações absurdas, energias térmicas involuntárias em meu corpo.
Provocava acelerações e repousos imprevistos, e tantas outras energias naturais.
A necessidade de dominar aquelas forças extraordinárias aditava todos esses reflexos incondicionados.
A cada domínio para meu sustento espiritual - por exemplo, a inércia - precisei perder ou sofrer uma parte do corpo.
Virei um doutor em dores; alguns elogiavam, até me consultavam, outros (a maioria) diziam que eu não passava de um coitado hipocondríaco.
Nunca aceitei quebrar um braço, perna, qualquer osso; isto sempre esteve fora das negociações.
Conforme me especializava nos negócios de saúde, mais negócios apareciam, passei a ter uma clientela fiel.
O último grande negócio, depois que passei a negociar apenas ganhos de partes do corpo, aconteceu há quase dois anos e meio. De um momento para outro cismei que meu amigo Mantovani precisava desabafar uma ferida horrível. Nem mesmo ele sabia que a ferida estava prestes a se inflamar. Feridas são como as partes prejudicadas de um mal negócio. Eu podia antever, para os próximos poucos dias, o pus se formar, a carne inchar, a febre e a corrida de corações sangrando da sua esposa e filhos.
Montovani sentado em sua cadeira de rodas esperava a ambulância chegar, na calçada, estudando o movimento da avenida 9 de Julho. O tempo parou, ou sumiu, então aproveitei e provoquei seu desabafo.
Fiz uma feliz paródia do O Idiota, de Dostoieviski, sobre O MEU problema de doença, frisando intensamente que se tratava de meu problema de doença, salientando que apenas os fortes não se preocupam com problemas de saúde. Acertei o alvo, cortei o pescoço como um verdadeiro samurai que jamais feriria uma vítima. Ele desandou falar sobre como a vida é tão frágil.
Um final de semana, família grande, parentes e amigos, vários carros e até um ônibus de excursão com ar refrigerado.
"Eu ganhava muito bem, era um candidato promissor para ser diretor de uma multinacional. Eu já era gerente de compras, voce consegue imaginar uma indústria de transformação química de componentes avançados, então, eu ganhava muito bem, eu paguei sozinho todas as despesas, eu até coloquei combústivel em carro de quem nem conhecia, e o sujeito tinha uma companheira gostosa, muito gostosa, vestida de vermelho e salto alto, todo mundo ficou babando, vai vendo, fomos todos tomar banho de cachoeira, outros aproveitariam para pescar..."
Voce, Mantovani, o que tinha em mente, para voce, ao realizar esta excursão maravilhosa?
"Maravilhosa? Espera um pouco, que eu vou lhe contar o resto, o resto da minha vida maravilhosa que voce está vendo."
Graças a Deus, minha parte no negócio estava completada, porque naquele instante a ambulância chegou.
O Mantovani não voltou a andar - menos, claro! - mas ouvi dizer que ganhou um campeonato de xadrez no Sesc.
Acho que foi eu que lhe ensinei a jogar com a vida, ele ficava do outro da sala, eu gritava, pião 4 bispo dama, e nova partida se iniciava; eu nunca ganhava.
Neste dia perdi o medo de ambulância, carro de resgate, polícia, e pessoas sérias.
Devo isso, talvez, tudo, porque aprendi a entender os verdadeiros sentidos dos encantamentos.
Todos só oferecem duas alternativas profundas para se tomar assim que acabam.
Uma; ficar aborrecido, e então se deixar levar bem ou mal a partir do que sobrou.
Duas; esquecê-lo e voltar a levar a vida normal.
O que eu faço? Continuo encantado, não importa o que aconteça.
Tomara que nem mesmo a Morte leve meu encantamento embora.
Qual foi o meu ganho no negócio com o Mantovani? Vem saber.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Na dialogia do orgasmo de viver


Transcendência inominável pelo orgasmo descoberto

O narrador-personagem tem trinta anos quando descobre que sensações estranhas se passam com ele. As coisas começam a incomodá-lo. O mundo exterior torna-se impregnante. Ele conclui, sem esperanças, que a existência é vazia e sem razões. Os seres não têm finalidade. (Blog, João do Rio)
+
Mudar da cabeça aos pés, sem perdão,
sem ressentimentos, igualmente sem razão
As verdades do corpo ainda imploram por Vida
precisam do Mundo, das Pessoas, do Planeta viável
+
Cordão ela cortou com os dentes. Olhou o nenê: menino. Nojo tomou conta, o impulso de jogar pela privada. Pensou um instante, enrolou o filho em pano de chão e largou ao lado do vaso. O corredor emporcalhado de sangue e fezes. Movida pela fúria, Gina esfregou chão e paredes. Saiu do prédio sem olhar para trás, o menino enrolado embaixo do braço parecia mortinho de tão quieto. (Raiva nos raios de sol, Fernando Mantelli)
+
Descer das cabeças ao pé, sem despencar
se deixar amparar no ombro amigo, direito e esquerdo
perder o tabu dos mamilos, se preciso se doar com amor
a uma das costelas, ou às duas, e descobrir o coração.
+
Todo homem é comum mesmo não sendo. O não ser comum do homem parece estar em sua forma própria de ser comum. Em seu jeito singular de sofrer, brincar, envelhecer. Em sua necessidade de construir, simbolizar, criar. Um homem não deixa de ser comum mesmo entre letras, livros, máquinas, sistemas, signos. Um homem é sempre uma trajetória que declina. Que ascende, mas que declina. O comum do homem é sua aparição relâmpago, o seu constituir e o seu perecer. O comum do homem é sua necessidade de dizer, manifestar, inscrever, perpetuar. Ao mesmo tempo sua impossibilidade de permanecer. Todo homem constitui-se na tensão entre viver e morrer, entre dizer e calar, entre subir e descer. Mas, por razões extensas e difíceis, a história humana parece ter se ordenado em torno da vontade de não ser.Não envelhecer, não sentir dor, não se cansar, não se aborrecer. O homem parece envergonhar-se de ser: pequeno, sensível, mortal, humano. E organiza-se em torno de um ideal de homem, sem corpo. O homem envergonha-se de seu corpo. Não de seu sexo ou de seu prazer, mas de suas vísceras, de seus excrementos, de seus sons e odores, de seu processo bioquímico, fisiológico, orgânico. O homem envergonha-se de morrer e vai acuando-se, escondendo-se, perdendo-se em torno de uma idéia, de uma imagem. Em sua luta por não ser comum, o homem tornou-se nenhum. Todo homem virou nenhum. Nenhum homem na rua, em casa. Nenhum homem na cama. Nenhum homem, mas um nome. O homem se reduziu a um nome. Não um nome próprio, mas um substantivo. Mas um homem é sempre maior que um nome mesmo que não queira. E uma outra história foi sendo tecida por trás desse desejo de não ser. Enquanto construía seus mecanismos de não corpo, enquanto se constituía como idéia, pensamento, imagem, a humanidade proliferava em seus excessos contidos, em suas angústias não canalizadas, em suas paixões não vividas, em seus pavores maquiados. E um corpo invertido, nascido de tantos corpos abafados, foi constituindo-se socialmente, foi ganhando força e vida. Uma vida invertida, mas uma vida. (Um nenhum, Viviane Mosé)
+
Abandonar o coração no melhor do entorpecimento
Resistir a tentação de adentrar umbigo ao passado
Enfrentar o inferno das bárbaras regiões erógenas
Totens amáveis ou odiáveis por Deus; buceta, pinto, cú.
+
A violência trouxe-nos de volta a urgência pelo corpo, pela vida, pelo tempo. E apartou-nos de nosso sonho de perenidade, de futuro, de verdade. Agora, todos estamos órfãos de nosso medíocre projeto de felicidade. Agora é preciso viver, temos urgência do instante, precisamos do corpo, mesmo gordo, magro, estrábico. E aqui, de meu lugar comum, de mulher comum, enquanto lavo a louça do café olhando a cor insistente da tarde que passa, me pergunto por quê? Por que não os dias nublados, as dores do parto, os serviços domésticos? Por que não o escuro, o delírio, a solidão? As lágrimas, os espinhos no pé, as quedas? (Idem)
+
O sagrado e o profano nos espelhos das vaidades, quebrar
O eufemismo lúbrico que represa medos, a violência e morte
Sem se amparar nas pernas que levam a lugar nenhum, então
Manter um contato mais real com a natureza, salvá-la.
+
Dizem que o homem, como conhecemos, tende a desaparecer. É possível que uma espécie mais forte possa surgir, uma espécie capaz de um dia divertir-se com este nosso hábito demasiadamente humano de negar o inexorável, de controlar o incontrolável, e, não conseguindo, de esconder-se em cápsulas virtuais, em psicotrópicos de ultima geração, em imagens. Um homem que talvez tenha sempre existido pode começar enfim a surgir. Um homem capaz de viver a dor e a alegria de ser mortal, singular, sozinho, comum. Um homem capaz de gritar sua dor impossível. Um homem capaz de cantar. Um homem capaz de viver. (Ibidem)
+
O pé, o pensamento, os pés e pensamentos, sentidos
Andar, voar, conhecer novos lugares, habitar outros comuns
Sempre novas existências, saborear e surpreender essências
Questionar por direito, Voce, Seu argumento lúdico e atroz
+
Não dá pé, não tem pé nem cabeça
Não tem ninguém que mereça,
não tem coração que esqueça
Não tem jeito mesmo
Não tem dó no peito, não tem nem talvez
+
Ter feito o que você me fez, desapareça
Cresça e desapareça
Não tem dó no peito, não tem jeito
Não tem coração que esqueça,
não tem ninguém que mereça,
Não tem pé, não tem cabeça
Não dá pé, não é direito
Não foi nada, eu não fiz nada disso e você fez um
Bicho de sete cabeças
+
Não dá pé, não tem pé nem cabeça
Não tem ninguém que mereça,
não tem coração que esqueça
Não tem jeito mesmo
Não tem dó no peito, não tem nem talvez
+
Ter feito o que você me fez, desapareça
Cresça e desapareça
Não tem dó no peito, não tem jeito
Não tem ninguém que mereça,
não tem coração que esqueça
+
Não tem pé, não tem cabeça
Não dá pé, não é direito
Não foi nada, eu não fiz nada disso e você fez um
(Bicho De Sete Cabeças, Zé Ramalho)

sábado, 23 de janeiro de 2010

Roteiro de imagens e riscos

Este apreensível objeto do prazer

Esta é uma obra de ficção,
qualquer indentificação com a realidade será mera coincidência
e tão somente uma média em respeito à audiência
(clima de terror sutilmente trash, tipo caixão rasoavelmente perfumado)
(close ela está pasmada, com máscara de oxigênio, olhando para a audiência)
OS CRÉDITOS GERAIS
(Ele está "real", em close, explicando, para a câmera)
Vejam, todos voces, a melhor maneira de fumar a pedra
(tela escura e flash)
1ª (cena relação sexual audio voz do ator em off, frases pausadas, ela nua está por cima na cama ele de roupas)
Voce, e nós, em nó
estamos afundando
e não há socorro
enquanto não há paz
e ficamos nessa guerra
eu voce contra tudo
de tudo contra nós
na sorte de migalhas
e azar de não ser
nem viver qualquer coisa
qualquer pessoa ou buraco
2ª(ela está por baixo)
Precisamos partir daqui
deste lugar nenhum ou
suicídio muito demorado
3ª(sentado no tanquinho, ela com as mãos no chão, dando de gravata no pescoço dele)
O inferno não são os outros
estes vão todos para o céu
4ª(Ela com a nuca no fogão, segurando na pia e na geladeira, os pés na mesa.)
Meu nosso céu são os outros
5ª(atrás da porta do guarda roupa.)
Nossos meus outros.
6ª(ela por baixo na cama)
Eus seus.
7ª(ela por cima na cama close demorado nela)
Voce.
INTERVALO PARA OS COMERCIAIS
(som e imagem total do (close do aparelho) o coração parado)
(Sobre a cama, empastados de suor)
Acorda!!!!!!!!!
Não quero esperar! Quero comer agora!
O que está fazendo?
Tirando a roupa.
Agora, depois que comeu?
Nossa, já comi? Vamos sair?
Cê tá loco? Voce já está pelado?
Voce também, assim... (cãmera gira rápida sobre o apartamento em ruina)
Vamos aonde?
Sei lá, morrer diferente.
Sério? Então, vem cá.
Uhm, espera, quem é voce?
Quero comer também.
Ow, pera, tô pelado.
E daí, também tô.
Uhm, que diferente?
Tô, tô, tô, tô, tô, tô.
Dô, dô, dô, dô, dô.
Kkkkkkkkkkkkkkk
Quê foi?
Kkkkkkkkkkkkkkk
Porra, o que foi, caralho?
Gozei, porra, voce é foda.
Eu só foda? Também gozei.
Quebra pau do caralho!!!
Buceta de merda, buceta da porra!!!
O que vamos fazer???
Tomar banho, vestir a roupa.
Não íamos sair pelados?
Não, nem fudendo, voce é louca?
Eu sou louca, eu sou doida, sou tudo.
Eu falo faço tudo, eu, né?
Vai se fuder, não me enche o saco.
Vai, levanta, vai primeiro.
Vou nada, quero mais.
O quê, comer de novo?
Outra paulada, bater em alguém.
Sei, numa criminóloga, de calcinha.
Patrilcinha, gostosina, felinina.
Legal, tenho até saudade.
Só eu vou comer, tô avisando.
Nem fudendo, uma princesa, huhm?!
Eu dou um tiro na sua cara. (o dedo!)
Na minha cara, firmeza, então vaza daqui.
A casa é minha também, sai voce.
Ok, então saio eu.
Aonde voce quer que eu atiro, então?
Atira no cérebro, porra!
Puta que pariu, vai pegar na cara tambem.
Atira na nuca, caralho!
Chega disso, ninguém come ninguém e vai lá, vai, amor.
É tarde. Passou um helicóptero.
Deixa o passáro, vai lá.
Trampá amanhã.
Veste minha calcinha, então.
Num tô de brincadeira, eu sou macho, falô.
O que vamos fazer, morrer dormindo?
Né?!
Voce não quer uma mina limpinha, cheirosinha, estudantezudinha, sorrisinho na prechéca?
Rss... por quê, voce tá suja?
Eu tô, eu estou, eu sou suja, aonde eu sou suja, amor?
Cala a boca, por favor, deixa meu pinto descansar, ele merece também.(close o pinto meio mole)
Vai ligar aquela porra?(close o computador)
Se continuar, vou eu atirar em voce.
Vai me matar, uiii, quê meda.
Puta que pariu, o morro tá ruim, num tá vendo.
O meu morro, olha lá como fala.
O que sabe de lei, vadia.
Puta que pariu, não me chame de vadia, cadê minha arma.
Fica na sua porque a minha tá na mira.(close o pinto duro)
Vai, então, mata, mata logo.(close a buceta)
Olha que eu mato mesmo.
Voce mata uma porra.
Mato.
Mato? Mato eu fumo(close o baseado). Mata?
Mato.(meio inseguro)
Então acerta aqui, vai, vai logo.
No coração? Nem fudendo.
Coração num fode, isso aqui fode, vê.(close a mão segurando a buceta)
Isso eu mato.
Duvido que voce mata a minha buceta.
A buceta mato toda hora.(close a mão no movimento típico de maconha)
Voce é viado.
Sou? Voce tem um pinto aí, disfarçado.
Voce não viu, quer ver?
O fantástico do diálogo, seja qual for o nível cultural é a irrevogável sensação de viver.(close falando com a cãmera)
Neste instante a polícia invade o morro, olha, que legal daqui da janela, e eu não estou lá.(idem)
Desta vez só teremos contagem dos outros, não vai haver comemoração na visinhança..(idem)
E haja remédios contra as invasões bárbaras de nossa monotonia..(idem)
Reparou que voce está falando bem melhor, isso lembra o finado Cazuza.
O filho do Joaquim da venda, pode crer, tô devendo um bujão pra ele.
Vou sapear esta história.
Nem.
Por quê?
A polícia exagera nas balas perdidas.
É verdade, os manos ainda não mandaram uma por aqui, hoje.
Voce não tem medo?
Sei lá, voce me ensinou cada coisa doida.
Eu? Eu te ensinei? Só faltava, um viadinho, melhor seria a chapeuzinho vermelho me lavar pro mau caminho.
Quer dizer que eu então te levei para a cama, para a biqueira, para a morte, e depois mais uma, mais, então foi eu que te matei?
Juro, cara, tem horas que tenho vontade de dar um tiro em voce, e se não fosse os homens na janela...
Demorô, vadia. Tenta.
Nem, minhas filhas precisam de mim.
Ainda bem que são suas filhas.
Por quê?
Se fosse minhas, matava as três.
Voce só fala em matar, matar, matar.... Falaí, bandidão!
Ok, quer falar de Shakespeare?
Esse cara canta?
Oô!
Eu canto também, quer ver?
Nua?
Quer uma fantasia?
Outra?
Vou pra casa da minha mãe.
Tô brincando, que música voce cantaria se estivesse falando sério?
Brochei.
Nem. Não mandei.
Espera. Não entendi. Pára de coçar essa porra mole aí, e diga, e ouve, quem mandava em mim já morreu.
Infelizmente.
Infelizmente, por que?, agora voce vai dizer, que se foda a polícia, vou atirar assim mesmo em voce.
Quer ouvir a verdade?
Pode ser verdade, mentira, o caralho que for, se num falar, e se falar, também, foda-se, vai morrer.
Posso me vestir?
Fala!!!
Também também também.
Bang.(tela escura e flash)
Bang.(tela escura e flash)
INTERVALO PARA OS COMERCIAIS
(tela escura e audio)
Olha lá, tá todo mundo procurando.
Acho que eles pensaram que foi flash.
Claro, tanto barulho de tiros.
Foi a televisão.
Tá desligada.(close televisão ligando segue a cena na janela de um apartamento à noite)
Voce viu naquele jornal os malucos planejavam derrubar o Cristo Redentor.
Acho que voce os conhece.
Vai se fuder, eu só uso essas porras(close o baseado na mão), essas roupas miseráveis e sempre falei assim, mas estudei pra caralho, voce sabe.
Tem outro apartamento, veja, o casal tirou várias fotos também.
Qual? Qual?
Aquele lá piscando as luzes.
Ih!!! a mulher vai se jogar da janela.
Porra... o apartamento dela é mais alto do que o nosso, ela vai morrer. Grita, fala com ela.
O que eu digo?
Qualquer coisa, sei lá, pergunta quem ela acabou de matar.
Ei! Ow! Aqui! Isso! Sou eu, aqui, é, quem voce matou???
Ela não entendeu, mulher realmente burra.
Tá dizendo que matou a família toda! Uia!
Pergunta por que, pergunta por que, o que eles fizeram.
Calma. Ei!!! Quem está fazendo mal para voce???
O que ela disse, fala. Ela parece homem.
Disse que quer morrer, mas não quer morrer sozinha, por último.
Tô falando... é muita novela, esse país tá foda.
Tá fodendo o quê, agora?
Nada. Chama ela pra vir aqui.
Pra quê?
Sei lá, talvez a salvação está em nossas mãos. Gentileza, talvez.
Sei.
Chiii, por quê essa cara, fecha então essa janela.
Agora num fecho, ih!, porra, a mulher vai se jogar, agora ela consegue.
Voce já disse isso. Diz que ele vai se jogar para eu ouvir direito.
Voce não é normal. Já tinha visto isso antes, mas agora vejo tudo, voce é anormal.(meio aborrecida)
Anormal, eu? E a mulher?
Está bebendo leite.
Vadia.
Quem, eu?
É, não se mexe, isso, assim.
Por tras não, eu já disse, voce nunca me ouve.
É uma gentileza.
Uhmmm. Está bem. Mas vai devagar, mas, por favor, até o fim, masss, caaalma, ufa, entrou tudo, bom, uhm, agora vamos ver a mulher pular da janela.
Vamos. Percebeu?
Porra, dói pra caralho.O quê?
Meu estilo zen de trepar.
Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk ai filho da puta.
Do que está rindo?
Esse é um estilo zem nem agora nem na China.
Confúcio já dizia: De dentro o silêncio, quando muito...
Pode parar.
Agora que está gostoso.
Não! Isso não, desta vez estou gostando. Fazia tempo que eu não dava assim.
E se eu fizer assim assim assim assim.
Ai ai ai ai, puta que pariu, pula daí logo mulher.
É, pula, sua puta vadia assassina assassina assassina, pula vaquinha.
Eu? Aiii, credo, não exagera, por favor, não não não, pára, por favor, pula santa santa santa, pula logo, pula gritando seu nome, pula minha santa.
Ela vai pular, claro claro claro, ela, ela é, ela é uma santa, santinha, santa além, senta aqui, isso, santa, pula, pula, ai, isso, pula porra.
Mas a desgraça tá bebendo wisk, veja lá, que vadia, ela está gostando, então acelera, vai, isso isso isso.
Péra.(sujestão de trilha sonora para estes momentos de paz Cannonball The Breeders)
Péra o quê???????
O diretor falou que é hora dos comerciais.
INTERVALO PARA OS COMERCIAIS
(Cenas velozes, voz do ator em off)
A polícia invade o apartamento, não acham as armas, vêem a mulher suicida e todos se arrastam para o outro apartamento.
A suicida é mal interpretada e se joga, se enrosca na grade do apartamente de baixo, todos correm, o dono deste apartamento é um voyer, tem uma câmera cinematográfica, uma grua e equipe de filmagem, vejam que engraçado, todos são presos e vão todos para a delegacia, o delegado fica irritadinho, mastiga o bigode obssessivamente com a nudez do casal, a bêbada suicida, os soldados por trás e o gordo e todas as fotos de crianças sorrindo.
Última parte é assim, o juiz julga todo mundo junto, não condena ninguém, todos voltam para sua vida normal. Vai ser outro final feliz.
(créditos na tela lentamente segue a cena)
Voce não acha que ficou faltando algo nesta história.
Acho, aonde a suicida escondeu os corpos?
E quantos eram? E as armas???
Como vou saber?
(tela escura e flash)
Eu vi voces dois conversando, ela pegou no seu pinto como se fosse regar o jardim.
Não exagera. Eu vi o delegado quase tendo convulsões na úncia vez que voce ficou de costas para a cãmera.
Mentira! Eu nunca fico de costas para a câmera. Toda bunda é feia.
(tela escura e flash).
Eu gostei, lembra, lá na janela? Rss... mas a vadia não pulou mesmo, veja, que coisa absurda.
Aquela hora eu não estava de costas para a câmera. Por que essa cara?
Estou pensando.
Nem pense. Nem pensar, o programa acabou.
Desse jeito é melhor virar viado, cacete.(close da nuca dele câmera segue nela rebolando quase sutilmente)
(tela escura e flash)
(segue cena na cama assistindo televisão cenário debaixo de um viaduto madrugada)
Ninguém vai prestar atenção no jornal, claro, ninguém vai duvidar que queimar ônibus é um crime contra si mesmo, ninguém é bobo, mesmo que seja em festa televisiva de pessoas de bem, que protestam contra os seriados das enchentes a cada 10 minutos de chuva, formando barricadas, impedindo o livre fluxo da realidade, do nascimento desorganizado da população sem as mínimas condições políticas... blá blá blá... Voce viu o prefeito de São Paulo comprou acho que tres carros anfíbios, em breve vamos ou seremos, vamos ou seremos?, os maiores exportadores...
O que é um carro anfíbio, além de se dar bem na água quanto no chão duro?
Sei lá se ele se dá bem, uma fantasia sexual ou qualquer tiração da população. Só sei que os bombeiros, quase todos de verdade, nem querem falar no assunto, só se obrigarem.
É, pois é, ninguém presta atenção mesmo, tudo é sociologias, filosofias e políticas de holofotes.
Mas isso não está acontecendo, esta parte da realidade é ficção, voce ainda lembra do Haiti? Veja, a gente tá passando ao vivo.(cenario de quarto comum)
É mesmo, como pode? E veja como eu estou feia, tô parecendo uma bunda.
(tela escura e flash)
Quando muito doenças características da preguiça, voce conhece, animal não humano em vias de extinção como aconteceu na antiguidade com aqueles répteis enormes.
Voce não acredita, eu sei, espere o próximo episódio "A preguiça esperta."

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Admiráveis criatividades da TV


"O Admirável Mundo Novo" e "1984" no Cybershort

Como uma excursão fora da escola, onde o professor é levado pela mão da última criança, a conhecer o que tem no mundo "real" fora dos nomes, com o objetivo de reverter o processo excludente de uma realidade "realmente mais sensível", que se acentua a cada ano a mais de vida na Educação Para Um Admirável Mundo Novo.
Minha expectativa, repito, é mudar apenas pequenos detalhes do Plano 17, que coloca o Ensino Grosso/Médio/Culto na 17ª posição das Prioridades Em Vão.
O país é o Brasil, numa época muito pouco além de atual e este texto não é de ficção científica.
O céu está com a cor azul e o sol sorri com os dentes Ultralight; a China retirou uma carta da manga e descobriu uma forma de eliminar a poluição e todo o esgoto do mundo através do buraco na camada de ozônio, e graças a Nova Gestão Nas Competições Do Estado Único, então para não ficar para trás, o Estados Unidos conseguiu proteger a população, dentro dos Países Primes, contra o sol com uma única e poderosa lente especial.
O Uniforme Experimental deste ano é o Estilo Havaí, da cintura para cima, e o Estilo Salvador, da cintura para baixo, ambos fazem parte das Combinações Para Soluções, que, neste contexto, é uma tentativa de eliminar o Tédio Insuportável, que se formou nas Melhores Famílias, quando a humanidade eliminou os museus no século XXI. A excursão, pode-se notar, não tem o menor ranço de Arquétipos Das Horas De Dormir.
A primeira criança da fileira é escolhida pelos Critérios Abençoados, desta vez é o Chuck; foi escolhido porque enfim recebeu uma carta de um Ancestral Genealógico e também porque não lê os Meios.
Os primeiros, ao contrário do passado, atualmente chegam sempre em primeiro.
Mas, rogo por vossas luminosidades, este texto faz parte de uma questão que coloco tanto a minha vida e a minha morte em jogo.
Obviamente, todos já perceberam que nesta época não existem ruas, com os antigos perigos dos antigos automóveis.
E, muito mais que óbvio, por mais brilhante que se torne este texto, por mais que se amplie e se torne um Imortal Besta Em Série, jamais vai obter um certificado de qualidade, de acordo com o Plano 8, que prevê um número limitado de qualificados, para proteger os meandros restritos das Prioridades Em Vão.
Passado a Força Do Método que exige jamais começar qualquer tipo de texto, escrito, falado, sentido e copiado, com as Palavras Deturpantes Destinatárias da antiguidade, portanto, Senhor Shipts e Senhora Maquinavel, peço vossas permissões para relatar tal Fato, que oportunamente já fiz uma apresentação.
- Voce quer relatar na Web?
- Se possível, se merecer vossa graça.
- A alma de suas Obrigações Físicas nunca sofreram sequer um arranhão?
- Nunca, e pode ser comprovado no Certificado De Direitos Na Felicidade.
- Lembre-se, é por sua conta e risco, resolveu-se manter a ideia de Deus na Web, apenas provisoriamente, logo também esta logomarca desatualizada será substutida pela Implacável Coragem e Ternura De Não Ser.
- Sim, sim, não esquecerei de agradecer sempre, vossas bondades posso encontrar até nas Obrigações Físicas.
- Muito Bem, aguarde resposta depois de registrar seu texto na Logística Das Petiçoes Pró Éticas.
- Muito agradecido, muitas graças, graças, graças.
- Espere. Tomei conhecimento, atraves do Estatutos De Discriminação Sutil que voce também vai entrar com um pedido - embora antes vai ter que passar por nós, é claro - para escrever um poema na Web.
- Sim, sim, é verdade, e espero também merecer vossa graça nesta empreitada, devidamente planejada pelo Descaminhos Planejados.
- Voce sabe que a Logística Das Petições Poéticas se tornou o órgão mais eficiente, depois daquele bárbaro "desastre" na fronteira com o Mundo Perdido.
- Sei, sim, claro, sigo sempre as regras da Satisfação Garantida.
- Sabe? Como? Pode-nos relatar de que forma voce sabe sobre o Mundo Perdido.
- Sim, claro, é verdade, mas perdoem-me se minha curiosidade macule vossos Ser, na última década compareci, sem atrasar, ao Plano 49, e contei cinco dias por semana a mesma história.
- Perfeito, chegou a vez de contar para Nós, e então, de acordo com as leis irrevogáveis do Plano 1, a história não mais poderá ser a mesma.
- Sim, sim, claro, eu sei, claro, eu sei, o Plano 1, é uma vitória...
- Voce está passando mal? Voce tentou se matar hoje? Voce quer morrer, de fato? Voce tem todos os dentes? Voce é espécime humana? Voce abusa no Sexit?

Polícia e ordem para quem precisa, para que haja, enfim, progresso.
(Não estamos abandonados neste pandemônio)

"Se o legislativo é eleito com votos apelativos do tipo
"eu sou um pobre da vila x e mereço ser vereador e deputado",
"eu sou um coitado que mal sabe ler e escrever mas pelo menos sou honesto"
"Não precisam lembrar do que eu fiz no passado, eu vou melhorar agora porque aprendi que não devo errar mais"
e por aí vai
(desculpem o sarcasmo, mas não suporto coitadinhos)
temos um corpo legislativo que legisla em prol de si mesmo e sua própria corrupção."

domingo, 17 de janeiro de 2010

Breve história da gentileza

Atenção, não bastam as sinalizações
contra guerras e culturas desumanas


Se poesia sim fosse inquestionável

Estava desligando inúmeras portas
que entram
que saem
que se trancam
que se abrem
ora para estudar
ora para trabalhar
ora para conhecer
ora para contemplar
ora para esquecer
o calor da chapa
e se deixar torrar
e se deixar ideal
para a Humanidade
para alguém...

Estava desligando o computaDor
e confio no olhar saiDor

Os comentários!
"respondo prontamente: para que haja sempre um devir!"

E vou dormir nos céus
e também sonhar sonhar sonhar
com um mundo mais feliz

Por que existem questões inquestionáveis?

Na atual posição do processo do devir antes dos nomes, com certeza, então aqui e em qualquer lugar e tempo, mas apenas aqui pertinentemente, para que as ideias raramente entendidas e ou subentendidas não apavorem os mais fracos de espírito, nem incitem ao ódio os fortes de espírito.
Eu tento amenizar minha animalidade e ou conhecimentos quando recebo comentários ou respostas que, ao contrário de quem humildemente se revela que não entendeu nada ou muito pouco, revidam com ideias desfocadas ou focadas na minha própria e única (rss) pessoa estritamente física ou espiritual, com imaginações, e até mesmo "realidades" que diz respeito somente a mim - por exemplos, funcionalidade do pinto no aspecto sexual, consequentemente meu cú também sofre especulações fantásticas, se uso ou uso drogas ilícitas ou ilícitas -, que distorcem as minhas ideias, o mau velado quase sempre derivado dos costumes da eterna colonização, do senso comum semi analfabeto e raivoso devido ao descaso político/pessoal contra quem salienta qualquer desacordo com normas de convivência quase sempre em desacordo com a realidade da mesma, etc.
Em outras palavras, menos choramingas quanto as atitudes apontadas, questões inquestionáveis existem em qualquer lugar e tempo para que, dentro de parâmetros acessíveis para a média da força física e espiritual do mundo, ou de uma sociedade, comunidade ou um mínimo grupo de interlocutores(?) envolvidos, para, geralmente, defender quem questiona questões inquestionáveis, rss, porque sempre se arriscam a jamais ser levados a sério e ou ser escarnecido para o prazer mórbido, pessoal/coletivo.
Questões inquestionáveis até se poderia dizer que é um bom senso contra inúmeros símiles do senso comum.
A média da força física é quase uma questão inquestionável, porque quase se restringe apenas a interesses anatômicos/antropológicos.
A média da força espiritual é o sonho do bom senso!
A média da força espiritual é o lugar mais confortável que as questões inquestionáveis podem sobreviver e viver sua imortalidade conquistada no mínimo esforço.
A questão do mínimo esforço se esforça para ser também inquestionável; a fantasia que se torna real quase sempre quando adota meios espúrios para se defender.
Por exemplos, a começar pelos mais notáveis, todos aqueles que se beneficiam dos mormentes inquestionáveis sete pecados capitais.
A questão de o que ou quem criou ou denominou ou sentencia os sete pecados capitais é uma das maiores questões inquestionáveis.
Seria a Religião, ou a necessidade de outorgar a última palavra ao criador do universo, se este realmente existiu (questão inquestionável verdadeiramente inquestionável)?
Se damos nome ao tal verdadeiramente inquestionável, outorgamos-lhe poder absoluto, e até substituímos ou excluímos dele o conceito de Questão, pergunto-me quase sempre antes de dormir: O que eu estou fazendo Aqui?
Pouco tempo atrás apresentei aqui símile pergunta: Para quê?
E consegui uma única resposta, e graças talvez ao tal verdadeiramente inquestionável, mais correta impossível, porque inquestionável, de uma garota, talvez a caçula, por idade, do grupo que me servia de interlocutor. Pessoas dentro e fora, atuantes ou não, do blog.
A força contra a permanência do devir antes dos nomes vai se tornando dia a dia uma questão inquestionável.
Será que posso parar o processo espontâneo e perguntar: Por quê? De onde originou? Aonde quer chegar?
Venho usando de todas os recursos sabidos das histórias dos heróis, anti heróis, traidores e loucos, para expressar minhas ideias e nada, o blog devir antes dos nomes não adquiri uma identidade original: e humana, claro!
Rss, ninguém me ouve, ninguém me fala, ninguém me ama, ninguém se deixa amar por mim, e ninguém liga para mim.
Cobras e pererecas, sabidos e sabidas, ricos e pobres de espírito, bons e maus, não sou contra ninguém pessoalmente, sequer divido corpo físico de corpo espiritual, relaxem, se preciso for, tudo bem, eu peço perdão, ajudem-me a sair deste fundo do poço (sem morrer!!!) que, apesar de extraordinário, estou perdendo até as esperanças.

Um mundo contra Goldstein

"Talvez chegue o dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos que jamais poderiam ter-lhe sido negados, a não ser pela mão da tirania. Os franceses já descobriram que o escuro da pele não é razão para que um ser humano seja irremediavelmente abandonado aos caprichos de um torturador. Ë possível que um dia se reconheça que o número de pernas, a vilosidade da pele ou a terminação do osso sacro são razões igualmente insuficientes para abandonar um ser senciente ao mesmo destino. O que mais deveria traçar a linha intransponível? A faculdade da razão, ou talvez a capacidade da linguagem? Mas um cavalo ou um cão adulto são incomparavelmente mais racionais e comunicativos do que um bebê de um dia, de uma semana, ou até mesmo de um mês. Supondo, porém, que as coisas não fossem assim, que importância teria tal fato? A questão não é ‘Eles são capazes de raciocinar?’, nem ‘São capazes de falar’, mas sim: ‘Eles são capazes de sofrer?’"

sábado, 16 de janeiro de 2010

Vento, areia e palavras no deserto


VENTO E OSTRAS, SEM OS NOMES DO PROPRIETÁRIO

Eu não posso entender, como não quero acompanhar o devir dos direitos autorais.
Como me recuso a se deixar levar nesta correnteza.
Quando quase já não tenho mais nada de matéria para perder.

De alguma maneira não entendo como há 10 anos da entrada do terceiro milênio, depois de 2000 anos (já!) da morte de Cristo, e há muito mais antes Dele, ainda existem fronteiras entre as pessoas.
Queremos nos diferenciar do animal irracional ou da matéria?

A matéria é morta.

Creio que se pode descartar qualquer hipotética questão da sua diferença com a vida, porque sequer sei como pagar caso queira sequer pensar alguma forma de existência na morte.

Quanto ao oposto, a questão de igualdade, vale talvez inúmeros post para este ano.

Vou precisar pagar algumas vilanias, eu sei, para proteger a minha matéria, mas vilanias são tão comuns que, talvez, sobreviverei mais um ano escolhendo entre branco ou preto.

Já o animal irracional, por excelência, é o máximo das questões.
Embora, redescobrir novas questões pode ser tão nocivo para o planeta quanto a extração do petróleo.
E depois toda forma de uso do petróleo como combústivel é em si e fundamentalmente incoerente.
Qualquer animal racional não negaria a vida dos vegetais.

Fico tentado para colocar em segundo plano de minhas preocupações as questões sobre o valor da vida no planeta, e manter capciosamente toda as questões de sobrevivência pessoal no pasto do primeiro plano.
E teria infinitos argumentos de caserna para enjaular minha consciência, sem me sentir um ouro de tolo da vida; sem desejá-lo, também.
Mas se isso é a vida no inferno, acredito que qualquer pessoa poderia suportar, sem precisar de paliativo diários.

Nenhuma sabedoria satisfaz os desejos.
Nenhuma razão os qualificam.
Nenhum bom senso é puro.

E, no meio deste planeta conturbado ainda precisamos discutir direitos autorais?

Esta bagunça não é racional, ou admitimos todos que somos irracionais, e cada um se defende como puder, ou todos somos racionais mesmo e a razão da bagunça obedece à Lógica.
E até os desejos deverão obedecer, deverão respeitar "as leis dos desejos".
A bagunça vai aumentar?
Quem tem certeza disso?

Vou citar dois exemplos antagônicos, onde, na aparência, os desejos são a suposta causa dessa suposta bagunça, e depois, talvez, seja possível portanto uma lógica para tal suspeita.

1- Desejo racional (pela matéria) é querer mais que uma Ferrari, mais que querer herdar a "celebridade" do Enzo Ferrari, mais que querer ser um Ronaldo Fenômeno e comer todas aquelas mulheres suspeitas de seus sonhos midiáticos, mais que ser o primeiro a desbancar o Tio Patinhas do posto número um. Mais que desejar o mais alto grau na hierarquia da floresta (fora Deus, nauseamente óbvio, é óbvio). Detalhe: sem mover uma palha de seu paiol abandonado.
A colocação do nome de Deus não foi por questão de gênero, portanto não foi em vão. Jamais poderia dizer pretos/pretas, putos/putas, gordos/gordas, bandidos/bandidas, viciados/viciadas, donos/donas de casa, e tantos outros gêneros com nomes materializados, então passíveis de degeneração.

2- Desejo irracional(impulso vital) é querer uma bela mulher cantar para voce I Believe na introspecção merecida, querer ser atendido em um show do Zéca Baleiro cantar ao lado da Marisa Monte e da Adriana Calcanhoto One More Cup Of Coffee, inspirados, querer conhecer a vida para chegar antes para evitar a dor de quem ama, evitar o desastre de qualquer estranho/estranha, evitar a tempo a resposta errada. Querer ficar satisfeito e respeitado sendo qualquer animal em uma floresta sem hierarquias nem gêneros nem valores abstratos. Valores abstratos subentendidos sem "lastro ouro"; tipo a metáfora do dólar fabricado nos fundos do prédio do banco central dos Estados Unidos, etc.

Em queda livre precisamos respeitar a natureza da matéria, suas leis de acordo com cada diferença substancial, que por si, também, tem suas próprias leis.
Dois pesos, duas medidas?
Sua cruz é mais pesada, Senhor Joseph Bill Ratinszer?
Tanto ouro para sustentá-la?
Resolveria a fome do mundo?

Na situação hipotética de que estamos todos caindo, seja para cima, para baixo, para os lados ou parados, sem excessão, para a infalível Morte, então por que existem leis para garantir as propriedades de qualquer espécie?

Há de vir respostas, pois já demora a libertação dos ventos e abertura das ostras da vida, porque a ninguém pertencem as pérolas, o planeta sustentável e os caos naturais.

Direitos autorais = propriedade intelectual ou informação patrimonial?
Dialéticas de guerra, estou fora.

E não há melhor maneira de, no mínimo, perscrutar as respostas do que desejar, claro, e se manter firme, lúcido.

Aonde está a verdade?
Seja para o que for, aonde se oculta, em si ou para outro, ou ainda, para outrem?
A escolha se baseia na razão ou no desejo, outro moto perpetuo como causa e efeito?
O mesmo do mesmo caminho dos ingleses?
Seria Jamal Malik egoista, guerreiro, quando deseja ser um milionário?
Por que não aceitar que o outro seja também super e voe com suas próprias asas?
Qual é a lógica cristã/capitalista de exterminar os besouros, pretos, cascudos que voam apesar de suas asas insignificantes?

A sabedoria dos sete samurais

Por que o sábio estaria sozinho no mundo?
E mesmo: como poderia estar?
Ninguém se torna sábio sozinho, nem no estado natural...

O exemplo de uma prova das Olimpíadas: há necessariamente vários concorrentes!
Além disso, o tiro com arco também pode significar atirar em inimigos: a sabedoria nem sempre é não-violenta, a violência nem sempre é louca...

Vejo uma bela ilustração disso em Os Sete Samurais de Kurosawa.
Voces conhecem a história: uma aldeia de camponeses pobres é oprimida por uns bandoleiros.
Incapazes de se defenderem, esses camponeses recrutam um samurai, encarregando-o de recrutar outros...

Chega um velho samurai, cheio de sabedoria e de glória.
"Uma aldeia de camponeses pobres é oprimida por uns bandoleiros, precisamos ajudá-los", diz o recrutador.
O outro aceita.
O recrutador acrescenta: "Sabe, eles são paupérrimos, seremos muito mal pagos..."
O outro nem sequer se dá ao trabalho de responder.
O recrutador prossegue: "Há outra coisa: somos poucos numerosos, os bandoleiros são muitos, vamos certamente morrer na refrega..."
O outro não responde, mas sorri.

Sorri!
Esse sorriso é o sorriso da sabedoria.

Nosso velho samurai não trava combates com a esperança de ganhar dinheiro, nem mesmo com a esperança de sobriviver.
Não, ele faz porque quer!
E longe de ficar sozinho, vai arriscar sua vida com outros, e talvez acabe morrendo mesmo, não me lembro mais [rss], para defender um punhado de camponeses pobres, sem nenhuma esperança de recompensa, nem financeira nem outra.
Ele não combate com a esperança disto ou daquilo, nem portanto com medo disto ou daquilo: ele faz o que quer, é completo no instante, perfeito no instante, diria Spinoza, e é por isso que combate tão bem, sem angústia, sem medo, e por isso com muito mais eficácia!

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

O país do futuro? Menos, utopia.

Silêncio de butequinho

Há mais ou menos 48 horas atrás percebi o tempo mudando. Tem um córrego tipo bosteiro no final da rua, até peguei a bicicleta e fui lá checar a temperatura da água. Enfiei o dedo na água, levantei bem alto, o contato com o vento me diria o motivo, mas não havia vento, e isso me prestou o desconforto de sacar de um recurso não muito apropriado para os tempos atuais. Levei o dedo novamente na água, demorei um tempo eficiente, Perfect Day-Transpoiting-Nick Cave, senti o gosto e a água dizia: Não vai chover. O ar vai continuar molhado apenas das lágrimas de quem insiste em lavar somente a própria alma.
Voltei. Havia deixado tudo ligado, nunca desligo nada, meu stand by é mais ativo, quando este tudo se torna mais útil.
O tempo mudou, de ontem a partir das 3 horas da tarde até agora estou vivendo seu top, percebendo bem diria que estou no ponto máximo desta montanha que me coloquei como obstáculo, como um preço módico para jamais seguir pela highway.
A imagem da menina segurando um aquário com a borboleta presa, caindo junto com o aquário e sua consciência serenamente voa junto com a melhor atitude de uma borboleta. Não vou voltar para conferir agora, mas a borboleta é daquelas muito chatas que já devoraram - suas crias zumbis - dois jardins suspensos de maracujás de casa.
Estava olhando meu banquer de alecrins e tem mais uma raminha de maracujá nascendo. Se eu quisesse ser poetas, novas estações, mais das mesmas, em 2010.
Eu acho essa numeração intrigante, se pensar a partir apenas de dezenas vamos encontrar 201. 201, se pensar a partir dos números ímpares, teremos 101 números ímpares, portanto este ano é ímpar; se zero fora. E se retirar dois zeros, continuará ímpar! Os Zés que se cuidem, não façam jamais um pouso tão alegre.
Não é fácil abandonar todos os caracteres, é como se esperar que o cinema brasileiro voltasse para antes até da técnica do cinema mudo para encontrar então sua própria, ou uma linguagem excelente para compor a identidade e se impor para os brasileiros. Uns contra os outros é querer levar as guerras para céu.
Enquanto o Luciano me revelava o Superoutro, procurei a cópia caseira do Besouro, coloquei na agulha e atirei. Quase vomitei. Até tentei ficar neutro como manda a receita.
Aceitar como questão conclusa tanto a morte de Cristo quanto a de Judas. (rss, aposto que ninguém vai entender)
Espero muito não sentir náuseas quando assistir o Superoutro, porque obviamente, aproveitando a inércia da ladeira abaixo oportuna, fui pensar para trás a partir do nome.
(Pensar para frente é uma falácia, para frente se age.)
Óbvio também que poderia ter tudo que eu esperasse deitado na rede, bastaria acessar o que já disseram, entre uma água de coco e outra. Meu São Arbítrio não permite.
Meu sorriso sempre foi estragado, pavor de gastar o que não se tem e horror pelas máquinas corrosivas e penetrantes. Santo meio traíra, mas é o meu.
Meu alento guardado para a parte humana, envolvida na filmagem, está garantida de ante mão. O que remete a minha esperança para o filme reforçar a mudança geral que vem ocorrendo, e também a minha que, agora, numa velocidade muito boa, acontece.
O outro sempre um objeto ora amado ora odiado.
Porque sempre nada podia o outro contra o eu.
A frase "o inferno são os outros", a bandeira do existencialismo, era infeliz e mesmo assim cometeu estragos na humanidade. Irresponsabilidade? Jamais, porque ninguém, exceto aqueles que já se decidiram pelo Mal, vai caçar andorinhas solitárias quando lhe faltar o verão.
Vivemos esta transição, se tudo transcorrer bem, sem nenhum acidente, logo viveremos algo parecido com verdadeira ordem e verdadeiro progresso no Brasil.
Pode até haver também uma bandeira que signifique que O Céu São Os Outros. Menos? Claro!! Ninguém vai querer ser o inferno.
Mas imagine se acontece tal fenômeno plenamente.
O inferno se desliteraturisar e se tornar literalmente o centro da Terra.
Banho de cachoeira natural em termas águas serão os pecados mais atraentes.
Os jovens, então mutantes pela própria natureza, conseguirão nadar de braçadas em rios de lavas. Surfarão nas corredeiras com pranchas de titânio, naquela liga famosa que torna a lei da gravidade daqui tão insignificante quanto na lua.
A rosa vermelha, virtual, libertará o destino dos espinhos, dos galhos, do sol, da água, do inferno literário e será intrasubjetivamente o próprio ar.
A terra mais dura, o chão verdadeiro onde se pisar com dois pés, não vai ser mais rarefeito, quando muito, líquido.

domingo, 10 de janeiro de 2010

O Brasil dos recursos estratégicos

Nova safra de mutantes

Chover no molhado seria muito interessante
Se a cada chuva
As lágrimas revelassem novas cores

A mesma chuva a toda vez
Causa essa tentação
De voar para longe daqui

Para um lado o outro
Seja a lama dos anjos quebrados
Ou a indiferença nas asas da Panair


O GAROTO MARAVILHA
(para meu irmão, pequena criatura)

"Sou o melhor.
Não existe problema, por mais complexo, que eu não resolva.
Posso cobrar, por hora de trabalho, mais do que qualquer outro especialista.
Logo que me formei, em menos de um ano fiquei conhecido como o Garoto Maravilha.
Ainda hoje, já levemente grisalho, tem gente que me chama de Garoto Maravilha, mas eu não gosto.
Uma vez cheguei ao escritório de uma cliente e quando ela me viu, perguntou, visivelmente divertida, "É o senhor, o Garoto Maravilha?"
Era uma mulher linda, não foi fácil, tive que usar todos os meus recursos."

Voce olha a menina do outro lado da sala, é linda, é o segundo dia da escova progressiva, das sobrancelhas e limpeza de pele. Ela olha para algum ponto em sua perna esquerda, levanta-a e passa as pontas dos dedos sobre uma minúscula tatuagem de anjo. Voce olha suas pernas e aumenta o sentido de seu desejo. Ela percebe, sorri e disfarça segurança. Voce olha seus lábios tremerem, suas narinas se abrirem e fecharem lentamente, os olhos se perderem num ponto além daquele instante. Ela se olha no espelho.
.
"Já teve quem me apelidasse de gênio.
Eu podia ser um Einstein, se deixasse de pensar no que penso e tivesse tempo para ficar coçando o saco lucubrando sobre a relatividade das coisas, ou um Newton, se gostasse de meditar deitado debaixo de uma macieira.
Mas ainda bem que esse apelido não pegou, ia causar ainda mais inveja aos meus colegas.
Entre os renomados especialistas da minha área, mais da metade só conhece o arros-com-feijão, o que dá para enganar a maioria dos clientes, palermas que tem dificuldades para programar até mesmo o telefone celular ou um microondas.
Sei que estou sendo amargo, mas estou puto comigo mesmo e desabafo para cima dos pobres de espírito, que deviam receber minha compaixão."

Voce toca os cabelos da menina, não foram escovados antes de estar diante da TV. Ela se parece paralisada feito uma imagem de luz. Voce oferece sua mão para ela apoiar sua nuca. Ela pega em seu pulso para dizer que não é um ambiente apropriado. Voce não resiste à sua força e a beija. Ela olha e não tem ninguém nem nada para saber quem é. Voce a come e se vai para ela jamais esquecer quem é.

"Estou doente, mas antes de falar de minha doença por causa dela deixo de atender muitos clientes que me procuram.
É por isso que estou sofrendo, porque tive a revelação de que estava doente quando quis trocar meu carro velho por um novo e não tinha dinheiro, mas continuei a ser uma pessoa doente, como esses caras que não conseguem deixar de fumar ou beber.
"Se voce trabalhar mais, poderia estar nadando em dinheiro", disse Cylene, a minha secretária.
Mas eu não tenho tempo para trabalhar e isso está me deixando infeliz."

Voce vive nas sombras das pessoas porque não consegue deixar de pensar nela. Ela está procurando qualquer ponto onde alcança luz. Voce deixa de responder para todos por quê estar sempre assim. Ela aparece no caminho para somente ficar olhando. Voce volta a procura-la para dizer que precisa dela. Ela sorri e não diz nada. Voce se cala para tudo no canto mais ousado de qualquer quatro paredes. Ela pede que escreva seu nome a giz. Voce usa seu sangue.

"Hoje fui almoçar com o Kurt Lang, dono da Links.
Eu detestava até tomar um cafezinho com um colega de profissão, mas comi a mulher do Kurt e me senti moralmente obrigado a aceitar o convite dele.
Ninguém convida voce para almoçar sem querer lhe pedir alguma coisa.
Kurt queria que eu solucionasse um problema que nem eles nem os bagrinhos do seu escritório conseguiam resolver.
Kurt tem um monte de funcionários, dezenas de clientes, acho que a ressonância do seu nome alemão impressiona os trouxas, mas do alemão ele só tem o nome, não sabe escrever sauer-kraut, nem come."

Voce se mutila. Ela desaparece. Voce quer esquecê-la. Ela lhe chupa durante as horas enfadonhas. Voce quer morrer. Ela quer casar. Voce morre. Ela casa.

"Deixei o cara me vampirizar, eu me sentia em débito com ele pelo motivo já exposto.
Mas o Kurt merece o que ganha, trabalha como um condenado da manhã à noite, ludibriando os trouxas.
E que mal que faz em enganar aqueles que querem ser iludidos?
Não é isso que fazem os médicos, os advogados, os cozinheiros, as putas, os padres, os eletricistas, os treinadores de cachorro, os macumbeiros, os consultores financeiros, os pintores de parede?
Eu não podia ficar blablablando essa lista o dia inteiro.
Não gosto de enganar os parvos, mas meu problema é que estou doente.
E isto está me deixando infeliz."

Voce quebra todos os espelhos. Ela entra no seu olhar. Voce procura um hospital. Ela lambe seus olhos e sara.

"Depois do almoço, Kurt me deu uma carona no Mercedes novo dele.
Entrei no meu escritório disposto a dizer à minha secretária que ia atender a todos os clientes que telefonassem e que o nosso relacionamento ia mudar."

Voce quer pensar. Ela corre sobre seu corpo. Voce se irrita. Ela se excita. Voce bate. Ela agarra seu pau para se salvar do mundo. Voce quer desistir. Ela grita de gozo.

""Foi tudo bem no almoço, querido?"
"Não quero mais que me chame assim. De agora em diante quero ter com voce uma relação formal."
"Não estou entendendo."
"Acabar com as intimidades."
"O que foi que eu fiz?"
"Voce não fez nada. Eu estou doente."
"Mas nós sempre usamos camisinha."
"Não é uma doença contagiosa. Ou talvez seja, não sei."
"Já foi a um médico, meu amor?"
"Ainda não. Mas eu vou. Não quero que voce me chame de meu amor."
"Eu sei que não sou o seu amor, que voce tem outras, mas não me incomodo."
"Cylene, sinto muito, mas voce não pode mais trabalhar comigo."
"Voce vai me mandar embora?"
"Estou com meu coração doendo, mas tenho que fazer isso."
"Não me manda embora, por favor."
"Vou arranjar um emprego melhor para voce."
"Não quero outro emprego, quero trabalhar aqui."
"Sinto muito."
"Voce precisa de mim."
"Eu estou doente. Não preciso de ninguém."
"Mas eu preciso de voce, não me mande embora."
"Vá para sua sala, por favor, odeio ver mulher chorando."

Voce tampa os ouvidos com as mãos. Ela não pára. Voce arranca seus cabelos. Ela morde seus mamilos. Voce queima, incendeia a casa, explode o planeta. Ela reaparece e sopra em seu ouvido a paz. Voce chora. Ela faz café depois de ir na padaria. Voce se sente morto. Ela beija até irritar.

"Cylene saiu correndo.
"Voce vai se arrepender."
Elas sempre dizem isso, ou coisa piores."

Voce se irrita. Ela desaparece. Voce agradece a Deus. Ela reaparece. Voce endurece. Ela dá uma festa.

"Telefonei para o Kurt.
"Kurt, voce falou no almoço que estava procurando uma secretária. Eu tenho a pessoa perfeita para voce. Entende mais do nosso negócio que qualquer dos bagrinhos que voce tem aí. É a minha própria secretária."
"A sua secretária? E voce quer se livrar dela por quê?"
"Não posso pagar o que ela quer."
"Garoto, voce é o maior e está com dificuldades? Está abusando da substância? Foi o que ferrou o Manfredo, ele ficou um caco, totalmente na merda."
"Não é nada disso. Eu estou doente. Não consigo trabalhar."
"O que voce tem? Câncer?"
"Não é câncer."

Voce conversa. Ela dissimula. Voce quer dançar e a convida. Ela aceita e diz que é o homem mais canalha do mundo, para suas amigas babarem. Voce adora a música. Ela não sabe. Voce desaparece na luz. Ela enfia a língua no ouvido. Voce se irrita. Ela beija. Voce pára. Ela trás uma bebida.

"É stress? Eu sei o que é isso."
"É stress dos piores, estou muito mal", confirmei, para o Kurt deixar de fazer perguntas.
Senti que ele ficava feliz por saber que eu estava fodido.
O mundo é assim.
"Como é, quer contratar a Cylene ou não? Sei de mais gente que se interessaria."
"E quanto ela quer?"
Multipliquei o salário que eu pagava a ela por três.
"A Cylene vale muito mais", acrescentei."

Voce não se embriaga. Ela decola.

"Quando é que ela pode começar? Preciso imediatamente.
A gente só vê a importância de uma boa secretária quando ela nos deixa.
A desgraçada casou e o marido é um daqueles trogloditas que não querem que a mulher trabalhe fora."

Voce enfia com raiva. Ela enfia o dedo na garganta. Voce liga o computador. Ela apaga. Voce se humilha para estranhas e beija os pés de vadias famosas e sábias estúpidas. Ela sonha nas asas da Panair. Voce quer o Brasil. Ela lhe dá uma ilha. Voce enxerga tudo. Ela se entrega a sacrifícios na fogueira. Voce pensa em salvá-la. Ela grita de gozo.

"Na segunda feira a Cylene se apresenta a voce.
Estou lhe fazendo um favor.
Vai ficar me devendo."

Voce é a vida dela. Ela é a sua vida. Voce sonha. Ela é uma gata. Voce é um urso preguiçoso. Ela é mulher. Voce é homem. Ela morde. Voce chora. Ela é uma abelha.

"Já anotei, Garoto."
Lembrei que tinha deixado um furo.
"Kurt, na carteira profissional dela está um salário menor. Eu pago a diferença por fora."
"Aqui nós não fazemos esse tipo de coisa, é lesivo à previdência social e, além de ilegal, desculpe dizer, fere a boa ética", disse Kurt, satisfeito por poder me dar essa porrada.
Será que ele sabia que andei comendo a mulher dele?"

Ela trás o mel. Voce se mela. Ela enche a bola. Voce fura. Ela é justa. Voce assusta.

"Foi duro convencer Cylene.
A infeliz gostava de mim, as mulheres são seres estranhos, adoram patifes que são bondosos e engraçados, uma coisa que eu era, além de muito doente.
O que a convenceu foi eu dizer que deixando de ser minha secretária o problema desapareceria e a gente ia poder continuar se vendo, o que eu não pretendia fazer mais.
Também influiu o alto salário que ela ia ganhar com o Kurt, mais a indenização que lhe paguei.
Dinheiro é dinheiro, só quem não gosta de dinheiro sou eu.
Faz parte da doença."

Ela é voce. Voce é ela. Voce não conversa com ninguém. Ela fala pelos cutuvelos. Ela lixa a unha sobre voce. Voce ronca. Ela lê revistas. Voce compra. Ela é. Voce não.

"Olha, voce deve chamar o cara de doutor Kurt, ouviu?
Ele gosta de ser chamado de doutor.
É um bestalhão, mas é um bom sujeito, é só caprichar da mímica, doutor Kurt pra cá, doutor Kurt pra lá, e fazer o seu trabalho como voce sabe fazer.
Não se esqueça do que eu falei a ele sobre a carteira profissional, o pagamento por fora."

Voce não quer mais transar. Ela dá de ombros. Voce arruma seu espaço. Ela passa um pano nua. Voce perde manias. Ela tinge os pentelhos. Voce tem enxaqueca.

"Entreguei a Cylene uma carta de recomendação, onde só faltava dizer que ela era uma segunda madame Curie.
Cylene ia dar certo no segundo emprego, ela era mesmo do primeiro time."

Voce se masturba. Ela vai ao dentista. Voce cozinha a sua comida. Ela faz amigos. Voce se mata. Ela escreve um livro para ganhar dinheiro. Voce é eterno. Ela ri.

"No dia seguinte fui ao médico, um psiquiatra amigo meu.
Ele ouviu a minha história.
"Essa doença está acabando comigo, está me arruinando", eu disse.
"Não conheço remédio para isso", ele disse.
"Aliás, nenhum laboratório está interessado em fazer um remédio desses.
Não ia vender."
"Já tomei tudo que é tranquilizante.
Aqueles que alertam na bula que um dos efeitos colaterais é diminuir a libido."
"Isso é coisa de departamento jurídico dos laboratórios.
É para o caso de algum espertinho impotente, instruido por um advogado safado, acionar o laboratório.
O advogado do laboratório, causídico do mesmo naipe, alega no tribunal que a bula alertava para esse possível efeito, ou seja, o pilantra tomou o remédio sabendo disso.
A gente precisa ter advogados para se defender de advogados.
Agora a coisa é assim.
Voce conhece aquela piada do advogado que foi para o céu?"
Quer dizer que minha doença não tem remédio?"
"Pelo que me lembro, voce já era assim no ginásio.
E voce está arruinando por quê?
Voce disse que não dá dinheiro para as mulheres, que elas não custam nada."

Ela ri e faz pipocas para assistir Felline porque afirma que nunca vai entender. Voce não explica. Ela troca e coloca Suxa de Araque. Voce se mata. Ela se inflama.

"Eu não posso chegar para uma mulher e dizer sem mais nem menos, vamos para a cama.
Elas vão sempre, mas é preciso táticas, estratégias, uma mão-de-obra danada.
Fico sem tempo para fazer o meu trabalho.
E se não trabalho, não ganho dinheiro."

Voce ri e troca o dvd. Ela xinga e atira pipocas. Voce quer champanhe. Ela arranca peça por peça, desmonta a máquina, derrete a pele, joga os olhos em voce.

"Não dá para conciliar?
Equilibrar as coisas?"
"Como?
Eu quero foder todas as mulheres que encontro."
"O mundo está cheio de mulheres feias."
"Mas eu não as vejo, elas não aparecem para mim, as feias."
"E voce acredita que é politicamente incorreto querer comer todas as mulheres?"
"Eu li que isso é doença.
Não existe uma doença chamada satiríase?"

Voce tira os sapatos. Ela desgruda suas roupas, livros e fotos de expressões ímpares na internet. Voce abre os braços. Ela pula. Voce é íngrime. Ela não sabe voar.

"Toda excitação sexual tem alguma coisa de mórbido.
No mundo de hoje os homens estão cada vez com menos tesão, tem que tomar pílulas para isso, e os que sentem tesão são considerados doentes.
Essa é mais uma invenção das feministas americanas.
Certamente voce andou lendo bobagens num desses livros produzidos na terra do Tio Sam.
Viva a sua vida, mas não se esqueça de que hipocrisia e o sofisma são padrões socioculturais aceitos nos dias de hoje."
"Devo então fingir que sou o que não sou?"
"Eu não disse isso."
"O que foi que voce disse?"
"Por enquanto, nada.
Foi uma frase de efeito."

Voce demora pular. Ela escala e pergunta se ainda ama. Voce empurra. Ela volta e quer saber a verdade. Voce empurra. Ela insiste. Voce se irrita.

"Puta merda, eu vim ao psiquiatra errado.
Ou o problema é sermos velhos amigos?"
"Talvez.
Mas o seu caso é complicado.
Não devia ser, e não é, mas voce mesmo o complicou."
"Então não há nada a fazer?
Só me resta ouvir um tango argentino, como o sujeito do pneumotórax do Manuel Bandeira?"
"Bons tempos aqueles, do colégio.
Éramos inocentes, líamos os poetas.
Engraçado, engraçado voce desencavar esse troço."

Voce quase cai. Ela segura. Voce espia pela janela. Ela fecha os olhos. Voce vê. Ela finge. Voce quer morrer junto. Ela implora. Voce morreria. Ela está morrendo. Voce acelera. Ela está morrendo. Voce acelera, desespera e urra. Ela grita que vai morrer. Ela morre. Voce morre. Ela sorri maliciosamente. Voce chora.

"Quer dizer que estou ferrado?"
"Procura um psicanalista.
Às vezes funciona."
"Não vou procurar porra de psicanalista nenhum."
"Ou então o DASA - Departamento de Amor e Sexo Anônimos.
Uma espécie de AA para sátiros e ninfos.
Realizam reuniôes diariamente, em vários locais da cidade.
Às vezes..."
Cortei a frase dele no meio.
"Comigo não funciona.
Detesto confissões privadas e mais ainda as públicas."
Na saída dei o meu cartão para a recepcionista, uma mulher linda.
"Liga para mim, tenho a mais fascinante coleção de asas de borboleta do mundo."
Ela sorriu e botou o cartão no bolso do uniforme branco que vestia.
Estou puto comigo mesmo.
Não sei o que vou fazer.
Vou morrer doente, dirigindo um carro velho."

(Rubem Fonseca - Pequenas Criaturas
Companhia Das Letras)

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Balanço final de 2009 - Ressentimentos, preguiças e covardias dissimuladas

Carlos Drummond de Andrade

ESPECULAÇÕES
EM TORNO DA PALAVRA HOMEM

Mas que coisa é homem,
que há sob o nome:
uma geografia?

um ser metafísico?
uma fábula sem
signo que a desmonte?

Como pode o homem
sentir-se a si mesmo
quando o mundo some?

Como vai o homem
junto de outro homem
sem perder o nome?

(...)
Drummond - Antologia Poética
Livraria José Olympio - 1983


Por um orgasmo bem pensado
À Dnyelle, muita foda para esquecer.

Ao som de White Rabit, com a Patti Smith, a versão mais gostosa,
porque é quase um canto de guerra para fora,
começo a escrever sobre uma de minhas esperanças mais frustrantes:
A mulher feliz, bonita e sábia, na extensão absoluta dos termos,
tão rara e inexoralmelnte impossível para a eternidade de um homem infeliz, feio e ignorante.

E a frustração, claro, provém de que os três estados serem eternamente aceitos como naturais, quando tais são transformações no embate com o mundo.
É a grande contradição, que leva a crer que ninguém possui liberdade de escolha
e não contém sequer traços de naturalidade.

Aonde então está a dialética, qual é o ponto onde o natural do ser humano pode se destacar,
para se discutir a desnaturalização?
O que temos, então, e ainda, de natural do ser humano?

Quando tive a ideia da criação deste blog, sabia que levariam mais de 7 dias
para adquirir uma "identidade", ou até mais de 7 ou 70 anos, talvez.
Há as naturezas mais indóceis que gracejam mais de 7 séculos.
A graça é protegida pela sociedade dos animais; eu respeito
as leis que se dirigem à proteção do outro.

Daí um pouco já se pode saber sobre a natureza humana, doçura e graça,
que obviamente não são sinônimos.
Daí também muito se pode surpreender quando observamos um cão, antes doce e engraçado,
depois indócio e desgraçado;
desnaturalização?
Como?

Daí portanto verificamos duas hipóteses: a natureza evolui ou regride,
ou, em oposição, desaparece em partes ou totalmente?

Dizem que a dialética é muito inócua, que mulher não goza, que não faz outro ser humano,
que não altera os fatos, que os fatos comportam e impõem sua própria,
minimizando-a à mais estúpida questão de gosto, etc.
Dizem também que gosto não se discuti.
Não é jamais razoável perguntar por quê se gosta.

O não-pensar conquista até o "impensável", se é que existe algo naturalmente impensável.

Temos portanto mais um sinal de naturalidade humana: a dialética.
Porque é difícil conceber qualquer pensamento sem uma suposta dialética.
Encontrar uma questão em tudo a todo momento, em outras palavras é perceber a dialética,
usá-la e enxergar também o seu oposto, a dialética do outro.

"O ponto de vista cria o objeto" (Saussure).
"Os fatos não falam" (Poincaré).
"Imortalidade científica dos fatos" (Bachelard).
"Imaculada concepção" (Nietzsche).

No detalhe podemos verificar, talvez, a substância mais categórica da natureza humana:
a questão da existência.

Dizem que aquelas clássicas perguntas,
O que sou? De onde eu vim? Para onde eu vou?,
morreu junto a Deus e se enterrou na mesma cova.
E a dialética do impensável, novamente aponta o dedo para o oposto da dialética.

O impensável sequer pode sonhar com a normatização da realidade.
Freud tentou interpretar os sonhos; dizia: um depositário das entrelinhas dos fatos.
É quando os psicologismos se aproximam perigosamente da poesia,
já que vem causando tantos estragos às seculares ciência e religião.

Assim podemos encontrar mais indícios de naturalidade humana: ciência, arte e(?) religião.
Que é este texto? Continua à partir de onde? Aonde vai chegar?

O ser humano, também denominado pelo nome Homem,
nomeia-se no Fato,
também denominado pelo nome Tempo.

Assinarei o fechamento do balanço de 2009 sem dizer o que é
(para mim) o oposto da dialética.
Chega de "pedras e flores"
bem ou mal interpretadas.

E para 2010, uma boa dialética: Por que fingir
que se é feliz
é tão possível,
e doçura/amargura e graça/desgraça
não?

Quem responder,
"é o que se é",
vive no oposto
impensável da dialética.