domingo, 3 de maio de 2009

Um meu alienista


Eu sempre quiz confessar isso

a vida (ou Deus) é um tesão.

Quem é que vai por aí
aflito, místico, nu?
Como é que eu tiro energia
da carne de boi que como?
O que é um homem, enfim?
O que é que eu sou?
O que é que vocês são?

Tudo o que eu digo que é meu,
vocês podem dizer que é de vocês:
de outro modo, escutar-me
seria perder tempo.

Não ando pelo mundo a lastimar
o que o mundo lastima em demasia:
que os meses sejam de vácuo
e o chão seja de lama
e podridão.
A gemer e acovardar-se,
cheio de pós para inválidos,
o conformismo pode ficar bem
para os de quarta categoria;
eu ponho o meu chapéu como bem quero,
dentro ou fora de portas.

Por que iria eu rezar?
Por que haveria eu de me curvar e fazer rapapés?
Tendo até os estratos perquirido,
analisado até um fio de cabelo,
consultado doutores
e feito os cálculos apropriados,
eu não encontro gordura mais doce
do que a inserida em meus próprios ossos.

Em toda pessoa eu vejo a mim mesmo,
nem mais nem menos um grão de mostarda,
e o bem ou mal que falo de mim mesmo
falo dela também.

Sei que sou sólido e são,
para mim num permanente fluir
convergem os objetos do universo;
todos estão escritos para mim
e eu tenho de saber o que significa
o que está escrito.

Sei que sou imortal,
sei que esta minha órbita não pode
ser traçada
pelo compasso de um carpinteiro qualquer.

Sei que não passarei
assim que nem verruga de criança
que à noite se remove
com um alfinete flambado.

Eu sei que sou majestoso,
não vou tirar a paz do meu espírito
para mostrar quanto valho
ou para ser compreendido:
tenho visto que as leis elementares
jamais pedem desculpas.

(Eu reconheço que afinal de contas,
não levo meu orgulho
além do nível a que levo a minha casa.)

Existo como sou,
isso é o que basta:
se ninguém mais no mundo
toma conhecimento,
eu me sento contente;
e se cada um e todos
tomam conhecimento,
eu contente me sento.

Existe um mundo
que toma conhecimento,
e este é o maior para mim:
o mundo de mim mesmo.
Se a mim mesmo eu chegar hoje,
daqui a dez mil ou dez milhões de anos,
posso alcançá-lo agora bem-disposto
ou posso bem-disposto espetar mais.

O lugar de meus pés
está lavrado e ajustado em granito:
rio-me do que dizem ser dissolução
– conheço bem a amplitude do tempo.
Agradecimento:
Nunca encontrei um descrente, apenas desvairados inquietos...
é assim que é melhor tratá-los.
São pessoas diferentes, não se percebe bem o que são:
tanto os grandes como os pequenos, os ignorantes como os cultos,
mesmo a gente da classe mais simples, tudo neles é desvario.
Porque passam a vida a ler e a interpretar e depois, fartos da doçura livresca,
continuam perplexos e não conseguem resolver nada.
Há quem se disperse, de maneira que não consegue atentar em si mesmo.
Há quem seja rijo como pedra, mas no seu coração vagueiam sonhos.
Há também o insensível e fútil que só quer gozar e ironizar.
Há quem só tire dos livros florzinhas, e mesmo elas consoantes à sua opinião,
e há nele desvario e falta de perspicácia.
E digo mais: há muito tédio.

2 comentários:

Luciano Fraga disse...

Caro Devir, eu que sempre andei à cata de mim, o que dizer de você que já encontrou o lugar dos seus pés?Será que sossegou? Meus pés ainda vagam tropeçando entre pedras e sonhos, embora com o coração apertado e tomado pelo tédio,grande texto mestre, abraço.

Devir disse...

Valeu, Luciano

A propósito, faz tempinho que queria 'chorar de verdade' diante de voce, pena que não estamos em um bar qualquer, no labirinto paulistano ou na vastidão carioca.
Voce diz, concordo, porem o lugar de meus pés é quase areia movediça, âs vezes me sinto flutuando, feito a saudosa Ca:, outras vezes estou até o nariz, e, nestes momentos, perdoe(m)-me, não consigo respirar sem metê-lo em tudo que é mundo.

É mesmo difícil um prisioneiro, que se sente livre o tempo todo, encontrar sua própria prisão. Coração apertado é juventude flertando com a eternidade e tédio é o intervalo entre o ser e o nada.
Mestre? Nem tanto, diria os verdadeiros, para eu aprender mais.

Abraço.