quinta-feira, 11 de junho de 2009

Ingenuidade



Não me abandone.
Não me deixe escapar.
Não me deixe fugir mais uma vez.

Olhe-me nos olhos.
Veja mais uma vez.
Voce vai conseguir.

Meus olhos não são só seu espelho.
Suas dores vai terminar aonde começa as minhas.
Mas não se envolva, apenas fique comigo.

Não me abandone.
Quando voltar para voce, leve-me junto.
Eu vou ficar ao seu lado.

Eu nunca quiz fugir.
Nunca quiz sair de nosso lugar.
Se preciso, amarre-me a voce.


A vida, aquela que voce chama de normal, está bem, permaneço justo, não recebo cobranças, estou separado e meu filho já aprendeu a andar, sorrir e amar. A casa é minha, depois do portão tenho um jardim. Hoje, há muito tempo, fui além do jardim. Levei somente cigarros e as roupas que estava vestindo. O masso de cigarros acabou, as roupas sumiram, deixaram de existir sem eu perceber. Varias vezes, sem dor, perguntei-me por quê, antes, jamais fui além do jardim.
Voce apareceu e também era a sua primeira vez. Sentou ao meu lado, apenas se movia para mudar o cd e retirar por instantes o fone para massagear os ouvidos. Aos poucos nada mais importava além de viver atento em voce. Não quiz sequer torcer para as pilhas enfraquecerem, voce podia simplesmente ir embora, nem olhar ao seu lado e nunca mais voltar.
Eu me vangloriava por não sentir e nem querer saber o que significava medo. Ninguém jamais teve a mesma importância aquém do jardim. A importância de minha família, amizades, escola e trabalho, é diferente; sentia muito prazer mas jamais desligado de muita dor. Acreditei que a vida é só assim. Todos diziam a mesma coisa: isso é natural. Então, não foi difícil de entender, todos diziam para não questionar determindas coisas, porque eram naturais que fossem assim.
Voce desligou o aparelho, guadou-o na bolsa e permaneceu alí. Eu só quiz conversar porque pensei que voce também queria. De repente nos olhamos ao mesmo tempo, foi a maior e mais agradável experiência em toda a minha vida, e ficamos muito tempo nos olhando. Parecia uma brincadeira que nós jamais brincamos. Quando voce olhava minhas rugas, eu seguia sua pele, as formas da face, vi lábios e pela primeira vez me deixei iluminar pelo brilho dos olhos.
Eu quiz abraçá-la, olhei em volta, não havia nada, mas não consegui, porque senti medo de agir e voce ter um motivo para se irritar e ir embora e nunca mais voltar.
Voce me abraçou.
É impossível calcular quanto tempo ficamos abraçados, em silêncio, misturando as respirações, o som dos corações se tornaram imensos, os corpos suando, apertávamo-nos cada vez mais. Voce passou a gemer quase inaudível, meu pau se inrigeceu sem que eu pensasse em sexo pela primeira vez. Voce passou a soluçar, principiou a chorar, tentou se soltar, eu a segurei, voce batia em meus ombros, nos meus braço e eu não conseguia soltá-la. Voce gritou e de repente perdeu as forças. Eu também já não podia mais prender a respiração, prendê-la nos braços, então cai sobre seu cólo e continuamos em silêncio, voce enxugava minha testa com as mãos, olhava-me nos olhos e sorria.
Foi a primeira vez que vi a felicidade, que acreditei nela, e então acreditei em voce.
Eu lhe perguntei o seu nome e voce respondeu que não precisamos dos nomes, se levantou, foi embora e nunca mais voltou.
Eu olhei em volta, não havia nada, além de uma espessa e branca bruma, como este fundo de tela, que agora escrevo, feliz, sentado aqui, com esperança de voce voltar, agora, muito além do jardim.
Agora, nada é mais natural, tudo que existe, nunca existiu antes de voce.
(Este texto faz parte da série: Conexões Desnecessárias)

5 comentários:

Luciano Fraga disse...

Meu caro, li e reli, volto depois com um comentário, estou aqui a remoer esta pancada,bom por me fazer pensar, abraço.

Luciano Fraga disse...

Caro amigo,outro dia , faz pouco tempo, viajava à noite, precisamente numa madrugada, poucas pessoas estavam acordadas, uma delas era esta aqui, quando repentinamente uma criança ao lado despertou, acho que ao estranhar aquele ambiente(ônibus), assustou-se e começou literalmente a berrar, várias pessoas acordaram, ou despertaram, acredito que ninguém a condenou, acho que aquilo representou um ato da ingenuidade? A inocência?Será que são as mesmas coisas? Parece-me que ingenuidade dispensa apresentações, nomes, identidades, territórios e os limites do nossos jardins e dentro deste princípio repousa a estética da verdade pura.Será que ainda conseguiremos ser ingênuos, puros? Este texto realmente fere nossos princípios profundamente, bom demais. Abraço.

Devir disse...

Se meu texto fere os princípios, o seu comentário fere as esperanças finadas; ou roubadas; ou vendidas; ou trocadas por outras que não tiveram qualquer princípio. Porisso que parece comum, confundir ingenuidade com a sempre infeliz, porque sempre estuprada, inocência.
Ingenuidade não significa necessariamente inconsciência.

Antes de escrevê-lo, estava lendo o livro do David Hume, Investigação Sobre o Entendimento Humano. Gostei especialmente do capítulo Da Idéia Da Conexão Necessária.
Espero que não frustre suas expectativas ideais, porque então resolvi escrever uma imagem de uma conexão 'desnecessária'. Parece absurdo, claro, mas qualquer conexão limitada na dualidade 'sensível ou moral', como se dois lados de uma mesma moeda, literalmente, é desnecessária e não compra a minha simpatia.

Grande abraço

Luciano Fraga disse...

Amigo, concordo com seu ponto de vista,aliás, totalmente, vou buscar o livro, fiquei interessado.Quando uso a palavra "fere", talvez quisesse referir-me a desconcerta/quebra,no sentido positivo de olharmos as coisas com uma certa visão de maldade,diferentemente do olhar puro da ingenuidade/inocência quenos referimos, grande abraço.

Devir disse...

Sem dúvidas, amigo, da mesma forma temos a 'ferida inevitável', e, para quem não se deu conta, que não almenta, não diminui e nem deixa de doer e nos fazer sofrer, com mais uma ou mais milhares de porradas da vida.
E, curiosamente, passar pela vida sem levar sequer algumas porradinhas, talvez seja pior.
Claro, uma criança ao acordar e se assustar com o mundo fora do útero sagrado, esta porrada já se torna suficiente, para quê mais?
Mas quando esta criança cresce, deve perder tal inocência, para não se tornar fadada à ingenuidade (negativa); incapaz dessa 'maldade' positiva, que voce tão bem se referiu.

Acredito que os movimentos para tornar as relações estritamente impessoais, que começou lá no fundo do baú, rss, depois das trevas do catolicismo, e concretizado, bem depois, com o iluminismo, revolução indústrial, relativismo atõmico, as duas grandes guerras e, por último, a geração paz e amor, foram o maior erro da civilização. Ou, então, foram o tal mal que vem para o bem.
A impessoalidade em qualquer relação humana é a "crõnica de uma morte anunciada".
Este sistema de crença na impessoalidade, talvez para uma suposta felicidade, como fazem as manadas diante do perigo, é o que sacrifica a vida no planeta.

Concordo que qualquer pessoa vai dizer que, o que eu disse é tão amplo, quanto o problema do controle demográfico, e aquele é efeito deste. Santa inocência, pobre ingenuidade. Cada um, cada um, tal qual, tal quais como qualquer animal irracional. Defendem sua individualidade como um cão(normal, rss) defende um pedaço de osso. No mesmo livro, preste atenção ao capítulo: Da Razão Dos Animais.

Ouça o coro: que papo chato!!!

Vale menos que uma gelada.

Grande abraço, Luciano