sexta-feira, 26 de junho de 2009

A matéria incoerente e vertiginosa dos sonhos



O objetivo que o guiava não era impossível, ainda que sobrenatural.
Queria sonhar um homem: queria sonhá-lo
com integridade minuciosa e impô-lo à realidade.
Esse projeto mágico esgotara o inteiro espaço de sua alma;
se alguém lhe perguntasse o próprio nome ou
qualquer traço de sua vida anterior, não teria resposta.


Convinha-lhe o templo inabitado e derruido,
porque era um mínimo de mundo visível;
a visinhança dos lavradores também, porque estes
se encarregavam de suprir suas necessidades frugais.
O arroz e as frutas de seu tributo eram pábulos suficiente para seu corpo,
consagrado à única tarefa de dormir e sonhar.


No começo, eram caóticos os sonhos;
pouco depois, foram de natureza dialética.
O forasteiro sonhava-se no centro de um anfiteatro circular
que era de certo modo o templo incendiado: nuvens de alunos taciturnos
fatigavam os degraus; os rostos dos últimos pendiam há muitos séculos
de distância e a uma altura estelar, mas eram absolutamente precisos.


O homem ditava-lhes lições de Anatomia, de Cosmografia, de magia:
as fisionomias concentravam-se ávidas e
procuravam responder com entendimentos,
como se advinhassem a importancia daquele exame,
que redimiria em cada um a condição de vã aparência e
o interpolaria no mundo real.


O homem, no sonho e na vigília,
considerava as respostas de seus fantasmas,
não se deixava iludir por impostores,
previa em certas perplexidades uma inteligência crescente.
Buscava uma alma que
merecesse participar do universo.


Depois de nove ou dez noites, compreendeu, com alguma amargura,
que não podia esperar nada daqueles alunos que
passivamente aceitavam sua doutrina
e sim daqueles que arriscavam, às vezes, uma contradição razoável.
Os primeiros, embora dignos de amor e afeição,
não podiam ascender a indivíduos; os últimos preexistiam um pouco mais.


Recomposição do conto As Ruinas Circulares, Jorge Luis Borges

4 comentários:

Luciano Fraga disse...

Caroa amigo, meio atrasado,passei uma geral e volto posteriormente com algum juizo de vlor, ou não, preciso ruminar. Tudo muito bom, abraço.

Luciano Fraga disse...

Devir, genial! Ainda creio na teimosia e no caminhar tortuoso e sem desejos de ser abençoado, os tigres estão chegando...Grande abraço.

Devir disse...

Sem desejos, é preciso
é urgente
antes que o mundo acabe
surpreendendo os anjos
(não-baldios, os contruidos)
que salvam baleias e micos e...
para depois ocuparem um cargo
bem confortável no Aparelho.

Esse comment foi de passagem
não pensei por falta de tempo
mas posso voltar nele, ok?

Abraço

Devir disse...

Por voce, Luciano e por todos, voltei ao assunto.

Quero exclarecer: um anjo baldio é como um terreno baldio, nada a ver com nosso amigo, ok?. Um terreno baldio está alí, sujo ou terraplanado, abandonado ou cercado pelo exército, tranquilo ou ansioso, ele está ali, não tem como destrui-lo, firme e forte, não vai desaparecer se não for para a construção, e esta que seja também firme e forte, que faça sua parte; cada vez mais difícil, quando não venal.
Atenção: anjo não tem sexo!!!

Salve salve a seleção!!!

Este título de hoje é significativo em multiplos sentidos, mas vou apontar somente um pertinente, um muito pertinente aos meus juizos de valores.
Lembrei do fato da morte do "MJ", ambos, juntamente à era Dunga, aponta-me um erro desatroso de todo ser humano: o preconceito.
Indiferente ao grau de sua malignidade, sem exageros mesmo.
O preconceito me anula quase ao nada, porquanto seja algo, mas efitivamente não me interessa.

Afetivamente, voltando ao meu curso natural daqui, pouco me surpreende disconfiar, sou então paranoico de carterinha no peito, que as testemunhas destes nossos diálogos, constroem talvez até palácios de sentenças e idéias multinacionais, mormente enrustidas, contra ou à favor, não importa, mas que não estão rendendo as costruções que todos merecem; já que os diálogos são abertos, pelo menos da minha parte.
Relembrando: todos são convidados.
Não é preciso se estender sobre o assunto.

Vamos comemorar mais este dia, que podemos também comemorar a vitória brasileira, com beijos em homens e mulheres, porque é a forma melhor contida de gritar nossa felicidade.
E contenção é a melhor ferramenta, apesar de pesadíssima, quando usada para a expansão da felicidade para todos, sem preconceitos, exclusões, indiferenças, etc., e adesão inoportuna ao Nada.

Meu caro amigo, Luciano.