quinta-feira, 6 de maio de 2010

Sabedoria a base de pedras e sáurios

Fora ou abandonado pela lei,
quanta complexidade;
um peso possui duas medidas

Alguém que estudou apenas o ensino médio, esqueceu-se totalmente o primário, não teve creche nem pré escola, não consegue saber nada mais além do que vê e do que lê - portanto, com excessão da visão, todo seu alimento comunicativo se dá por rações, mais ou menos equilibradas, todavia exposta aos mal humores do processo de racionalizações para preparo de uma cultura "suficiente" - não consegue viver na experiência, nada que se aproxime aos encantamentos do trabalho de um homem.
Ele, formando em medicina, apaixonado pela neurologia, curioso no campo da pesquisa científica, recebe um convite do maior neurologista do momento, que o coloca à frente de pesquisas inusitadas, especialmente sobre Histerias, no Hospital Salpêtrière.
Época avessa à criatividade, onde muito se cria heróis, esvaziando-os de humanidade e encobrindo sua sexualidade, o maior categórico biológico, este homem rasga todos seus escritos e, zombando por dentro para toda essa comédia dos biógrafos, que não terão sua participação, a preço tão somente das aparências, ainda assim adota o grande método de recuperar uma ideia antes de superá-la.
"A cada vez, diferentes elementos de uma experiência/metáfora/matriz são retomados para pensar a teoria, realizando, como se costuma dizer, uma espécie de movimento de caleidoscópio, que, ao ser girado, dispõe os mesmos elementos numa nova constelação" (Jassanan Amoroso). E, na histeria, este padrão de trabalho é imperativo, porque o paciente toma as formas de linguagem quase sempre a partir do Outro, e sofre porque tantas são as variações circunstanciais relativas às verdades dos símbolos de valor na sociedade, se fechando cada vez mais para ao que se sente seguro, até ao mínimo impossível, e, por outro lado, como forma de socorro aos momentos críticos de auto asfixiação, então o rompimento abrupto de desejos, alterando toda forma de comunicação aos outros.
Este homem observa na profusão de formas de expressão, aquelas sem qualquer objetivo prático, meras concessões ou sacrifícios essenciais.
E aquele ditado que vencemos nossos inimigos com suas próprias armas é hediondamente o crime da insustentabilidade "invisível". Assim pensam tanto os excluídos quanto os exclusores, mas apenas estes são os histéricos.

Perdoem-me os leitores, sem comer a ração, sem formação civil, não consigo deixar de banquetear-me com o amor do próximo, quando este se solta ao vento. Esta "pirataria" se deu porque roubei uma revista da SBPC de 2009, perdida entre tantas Caras Gente Contigo, de um consultório de dentista, que algum paciente anterior esqueceu. Sei que todo delito deve ser punido. Sei também que a lei é cega, surda e muda. Mais ainda, sei que os autores das leis não são os mesmos que as executam e remotamente serão portanto os penalizados.
Sabemos tanto se nos esforçamos, e saberíamos muito mais se comêssemos a ração em fartura e qualidade. Percebam, a confusão e automatismo na primeira parte deste texto, isso seria evitado se acaso eu tivesse comido minha ração direitinho, não cabulasse tantas aulas para azarar as minas, fumar (inicialmente) cigarro e beber (segundo passo) cerveja e caipirinha e ou se auto questionar a existência de Deus. Este, e quase a maioria dos meus textos, confesso, mais inquietam, e muitas vezes atordoam, do que instruem ou se simpatizam com "alguma das causas válidas diante da lei".

"Atordoado eu permaneço atento, na arquibancada para a qualquer momento ver emergir um monstro da lagoa." (Chico Buarque)

9 comentários:

Luciano Fraga disse...

Caroa migo Devir, um texto atordoante mesmo.São os pobres bois, eles até pensam, mas logo esquecem.O processo burocrático faz com que as leis passem por graus de escalas diferentes, até que as consequências da bala, do tiro final chegue amena para os seus criadores ao atingirem as cabeças das vítimas.

Agonizo em ânsias.
Mas com uma lágrima
não se faz pranto.
Pranto é idolatria ultrajada.
Não meça forças com a tristeza,
perceba-a como uma alegria
farpada,
fonte do riso que secou...
Transforme,
iscas de sonhos
em faíscas de vida, no final do túnel do seu olhar,
pois nada, nada, nada,
escoa de mim,
nada,nada, nada...

Forte abraço.

Luciano Fraga disse...

PS.grande Ricardo Ferraz,tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente, esta semana recebeu uma bela homenagem aqui na cidadezinha onde trabalho e moro.

Devir disse...

Grande, Luciano, bela lembrança, em mim, ao filme do Ralo.
E, sem as faíscas, não há contato.
Finjo que também não sei a quem serve a vida ao sabor de uma correnteza; diversão, claro, é a solução, basssta não separar o trabalho da arte, né não?

A questão da boiada é muito delicada, ninguém tem estrela na testa, não se sabe qual ainda lembra, ou não aceitou, ou não deu certo, a própria castração. Nem toda revolta se resulta de tráumas, vinganças ou fuga. Embora a revolta lúdica ou por insatisfação ao sentido de determinada vida, fica cada vez mais rara acontecer.

Estou sem tempo, mas é um vício toda essa pescaria.

Forte abraço

Devir disse...

Cara, voce tocou no ponto G de uma questão, atualmente, virulenta.
Eu e meus irmão sofremos um abalo 30 na escala de terremotos. Mama adoeceu e jamais aprendemos um sincero trabalho de luto anunciado.
Meu pai, apenas chegou a notícia, então nos limitamos a ajudar no enterro. Mas a Mama tá DOENDO PRA CARALHO, que foda, está estampado na cara de cada um, e, só podendo falar por mim, meu coração está gotejando fúria; lutando para não por Deus na reta, como faz as pessoas abandonadas pela esperança.
E também não quero socar a boca do finado Sartre!
Quanto tempo vai durar para tentar começar o inevitável trabalho do esquecimento, com as estátisticas de mortos e feridos, e também, claro, não no meu caso, que não tenho nada, a conta dos prejuizos que revela certo sinismo "natural".
Mas, vamos nessa...

Luciano Fraga disse...

Caro amigo Devir,sei o peso disso, perdir um irmão jovem entrando na casa dos dezenove, o pai também, num dos bons momentos das nossas vidas e isso seguidamente, são aquelas calamidades inexplicáveis do tempo que nos propomos discutir, mas longe e tão perto de ti, estamos aqui como um simples cara que podes contar, força mesmo , abraço.

Devir disse...

Não tão simples
que precisa ser trágico
não tão complexo
que precisa ser cômico

antes que me esqueça
a cara de si e a nossa
cara caras envolta com
a cara e a coragem

Há tempo que me esqueço
quando lembro não esforço
flores e armas são o que
são por sobrevivência só

mãos que não se lavam nem
se levam às outras as mãos
limpas sem sangue pólens e
luvas selecionando; mentes?

Adriana Godoy disse...

Cheguei agora e encontrei esse texto tão expressivo e rico de sentidos. Volto sempre, mesmo que vc duvide. Beijo.

Devir disse...

Estava a milhão, misturando Ray com Pride and Joy, Entrelinhas, janta da Mama com bacalhau (sobra do almoço) e lentinha(cozida só no azeite e suco de lima da Pérsia) ao leite desnatado (para não encorpar), o cigarro (antes de acender rindo da minha fraqueza), minha fúria já conhecida para não viciar em batons sobre o filtro amarelo, só para chatear aquele filtro branco rudemente seco, ...

Rss, muita bandeira, sem beber nem fumar, ainda, amor nenhum

AGod, vê que pode ser também
só poesia
romance
autobiografia
história

Beijo

Devir disse...

"Agonizo em ânsias.
Mas com uma lágrima
não se faz pranto.
Pranto é idolatria ultrajada."

Viajei nisso
então a alguém que ultrajou o Lula
não vou esquecer
Minha lágrima
de bronca vai ser única
porém povoada e em fúria
sem badeiras de partidos
homens partidos em oco e casca
Para ele só uma lágrima
farei seu pranto
porque sei
ele não é vasio e está nú
e oferece o coração a quem precisar
mas não devia dar esse vassilo
até mesmo em respeito a experiência
Vou medir força com esta tristeza
sim, vou lhe devolver
depois de transplantar sua alegria
farpada (fase?)
um beijo
que não quiz roubar