sexta-feira, 11 de junho de 2010

"Ah se eu pudesse fingir que te amo, Amélia"

Lixo especial: perfuro contaminante!

Minha mãe chegou assim: Filho, filho, liga pro Lino, liga. Nós estávamos na calçada tomando sol, ela sentada na cadeira branca de plástico e eu naquele bloco de granito rosa gerais. Fui logo dizendo, Mãe, nós ainda não viramos pedintes. Ela ficou calada por vinte minutos olhando um ponto no cimento onde via talvez dentro de si o câncer, sua matriz no pulmão, com filiais no fígado e no cérebro, levando essa sua vida e que se acaba como pedinte. Minha mãe repete, liga pra ele, liga.
Eu olho o dia, o país e os brasileiros, talvez não consigo olhar para ela, pego o celular, agenda, passo.
Neste momento entendo, estou fazendo hora extra na vida. Já nasci assim.
Minha mãe me passa o aparelho, meu irmão me pergunta pelo dinheiro da aposentadoria dela como se eu tivesse fumado o dinheiro, o pulmão, o fígado, o cérebro da minha mãe. "Como se não me bastasse fumar quantos rins deste filho da puta." E o filho da puta não vai dar, mas vai morrer por isso, e eu quero ver esse cara secar, tomara que toda família morra e ele não. Ele vai morrer só depois que a família toda se for, e vai ver cada um, vai estar no enterro da ultima, e eu serei o último antes dela, e quero lhe perguntar, ah vou, antes de morrer, só nos segundos finais quero me redimir, nem mais um tempo mais, exatamente como ele, tempo custa dinheiro, vou perguntar: "Cadê a chave?" Só para fudê-lo, até no último instante. Ou perguntarei desde já: "Voce acreditou?"
Eu, olhos para minhas mãos, a pele se soltando dos dedos, as unhas pálidas... Não há nada, não há mais nada, para pensar.
Minha mãe estende o braço, eu a levanto e vamos andar quatrocentos metros, duzentos na ida e mais duzentos na volta.
A televisão adoraria filmar, eu e minha mãe passando pelo portão, outra câmera no fundo, nossas costas e a platéia. Dois dos novos aparelhos de segurança nacional à nossas costas. Olho para trás, nas costas deles vejo meu irmão, sem batina, orando em nome de Deus, socando o ar, sai daqui satanás, sai dessa casa satanás, vai satanás, volta, pro seus quintos dos infernos, causando frisson, na janela do prédio, no primeiro andar, a sobrinha do sacerdote na Índia, ameaçando se matar. A Rita, a professora de Biologia sorri para mim, como se soubesse que isto é mais uma das minhas poesias. Meu irmão mais novo e minha cunhada mais sonsa chegaram a tempo, por coincidência estavam bem humorados e até tentam me cumprimentar, ela com aquele beijinho de pescoço pele de pescoço e ele com aquela mãosinha sem temperatura. Os cachorros se trepando a todo canto, perto da pracinha uma multidão, uma ou duas mãosinhas estendidas para chamar a atenção das câmaras, oi, oi, estou aqui. O caminhão das Casas Bahia que jamais quebrou, achou de quebrar no meio das filmagens, o técnico de manutenção discutindo com o motorista, a grua enroscada no baú. Um play boy ouvindo Lady Ga Ga me incomodando porque eu gosto mesmo é das mulheres de verdade. E que se dane a teoria, essa é a teoria, estou algemado mas estou ganhando muito, não só dinheiro, estou ganhando também fama, pensam que vou sofrer em um presídio de merda. Que babacas, meus irmãos pensam que vou virar mulher, vou servir peão, além de dar o cú, terei que ser mulher ou brocha, eles pensam, todo mundo, exceto os deficientes, pensam.
É a grande primeira reportagem da nova iniciativa do jornalismo brasileiro, a Moniquinha da Globo, somente com ela que eu falo, "Por que voce a escolheu?", digo qualquer asneira mas somente para ela, "Mas, somos do comitê, não somos apenas jornalistas", eu sei e entendo o que esta acontecendo aqui. " E como voce se sente, agora, neste momento, assim tão famoso, rico e rodeado de sucexo, ops, perdão", com certeza está acontecendo uma partida maravilhosa, sabem que meu sobrenome é Santos, então, "E o que voce pensa ao se tornar o homem do ano?" como eu me sinto, bem, vou dizer, bem, "Aquele seu projeto de juntar o núcleo do átomo para criar uma bomba atômica está emperrado, vai ser só um livro, ou é mais um daqueles projetos de mídia, que acabam virando fantasmas, os filhos recolhem os mortos e feridos, nada se traduz em simbologia entre uma e outra geração", qual é o seu nome? "Agora, voce importa?", nosssa, descupa e, rss, está todo mundo penssando que é festa ser mau, "Ai".

9 comentários:

Anônimo disse...

Vim aqui fazer uma leitura não-séria do seu conto.

Abraço.

Devir disse...

E a leitura séria, quando?
Muitas vezes reclamei da enxurrada de elogios, mas outras vezes também elogiei aqueles que, do momento da leitura em diante, já sabemos que tal pessoa não é mais visita. Como ficou bem claro no "conto", às vezes até a quem amamos muito não podemos dispensar formas melhores além do sentimento de "visitado". E a razão de meu "papel em branco" no Teatro da Vida, tem muito dessas diferenças; nada sutil.
A sutileza não é uma forma de passar a mão na cabeça de "elementos disfuncionais na sociedade", mas tão certa quanto a paciência, o rigor e muito pouca preguiça para ler e escrever, por exemplo, um livro razoável de 500 folhas com conteúdo.

Devir disse...

Perdão, se acaso estou o que realmente quase sempre sou, grosseiro.
Depois de comentar, coloquei o filme Verõnica Decide Morrer, mas não consegui, porque das tantas e todas as vezes que fui grosseiro com quem não merece, eu fiquei mal. E nunca me esqueci quando ouvi pela primeira vez a (ex) banda Língua de Trapo:
Eu me angustio
Eu me angustio
E depois eu fico mal
E fico mau
E fico mau

ps, Já ssistiu? Se não, assista para ver como conseguir desencanar e formatar um diálogo não tão atraente, rss

kelen disse...

andei sumida mas ca estou de volta
e seu blog continua uma delicia.
Ainda te aguardo pro chá ou pro vinho, voce escolhe.
Amo-te
beijo na alma

Devir disse...

Voce acredita????
Porra!!!!
Eu não acredito!!!!

Advinha que música resolvi ouvir
agora, porque tinha que ser agora?
A vida é doce, Lobão.
Existe arma mais letal
para querer não querer morrer?
Se voce e os leitores pensam
que digo 'tal música', novamente
se enganam, porque não é isso,
é a vida doce, kelen

Luciano Fraga disse...

Caro amigo Devir, passei aqui rapidinho, estou em viagem(trabalho), ando meio sufocado, mas não deixo DE(VIR), volto com calma no retorno, bom domingo , forte abraço.

Devir disse...

Luciano, voce há de vir sempre, porque realmente é bem vindo, por mim e por quem aqui hão de vir sempre também. E, se acaso, alguém, de voce, fizer qualquer comentário rasteiro ou meramente engraçadinho, que lhe ofenda ou manche sua reputação, eu mesmo cuido do palhaço(a).
Não temo a morte, não há motivo portanto de temer a solidão, desde que não venda a minha alma implícita, ou, em palavras mais reais, desde que não roube minha honestidade explícita.
Faça um bom trabalho, forte abraço.

Luciano Fraga disse...

Caro amigo Devir,fiquei realmente entalado, com um nó na garganta com este texto. Quantas Marias, inclusive minha própria mãe, pensou-se Amélia? No fundo, foram mulheres de verdade, diferentemente daquela.É difícil meter-se nos trilhos, pior manter-se.Hoje,quero dizer ontem por exemplo, amanheci no sub mundo de mim e expedições de solitários e legiões de delatores encarnaram e todos os Lázaros e enfermos gritavam em minhas ruas e ninguém solidário...Vejo uma ponte que não me leva a lugar algum.Especial leitura, pode crer. forte abraço.

Devir disse...

Grande!!!!
Apenas perceber já é uma dádiva extraordinária, a poucos instantes, por muito pouco, um desse expedicionários cegos e solitários, porém mui bem acompanhados pelos pares, se eu não estivéssemos enfrente da minha mãe, convalescente!!!, teria se jogado sobre mim aos murros, facas e balas, mas achou mui engraçado e então suficiente listar uma série de adjetivos, dentre todos os mais absurdos foram: fracassado e invejoso.
Ah, eu me me pergunto, sou fracassado e invejoso porque não sou cego e nem suficiente, ou sou cego e invejoso porque não sou um cara de sucesso e sou eficiente?
O pior de tudo é que, desse meu jeito ao contrário do que pensam, não consigo nem ficar rindo à toa depois destas expedições de cura.
Quando vão caindo as fichas que não sou um viciado na droga danada do momento, surge então, vai vendo, que sou fracassado e invejoso.
Ambos adjetivos já tiveram seus tempos áureos, mas sempre voltam nos interlúdios entre um túnel e outro. Deve ser gostoso para cegos de sucesso saber que todo mundo não está enxergando nada e vivem também na esperança preguiçosa de um dia ver o final ou conseguir uma boa "compensação".
Luciano, ando me sentindo feito Irã, obrigado a negociar de mão abanando com que tem nas mãos todos os tipos de armas, inclusive a bomba atômica, rss.
O Brasil e a Turquia querem negociar, ambos países enlouqueceram, porque o resto do mundo NÃO.
Ah, indústria cultural de massa, ensina-nos a dizer que somos filhos de Deus, rss, sem ser, não é lindo?
Forte abraço.