terça-feira, 29 de junho de 2010

Etiológica e tal divina inveja humana

O menino beija a mais corajosa
e fica com as duas, se beijar a outra
também, perde as duas; elas*
são todas iguais

Não ser covarde é a pior desgraça do mundo, justamente porque a coragem se confunde com o tolo, porque quando em épocas de paz, se lhe der livre arbítrio, ou mesmo a menor atenção, o destemido prefere fazer o papel de bobo da corte a ficar resignado de boca aberta esperando a morte chegar, e, também, em épocas de guerra, repito, se lhe der livre arbítrio, prefere ficar para cuidar das famílias abandonadas. No primeiro caso, sofrerá toda sorte de gozação e consequente culpa por crimes que jamais cometeu e muitas vezes quem os cometeu, tinha justamente tal objetivo. No segundo caso, jamais poderá dormir tranquilo, porque estará sempre sob a ameaça de linchamento por deficientes físicos ou mentais, embora nem todos(as) covardes.
Na vida real, ou, rss, na vida fora do ambiente virtual, eu me comporto da mesma maneira e ganho a mesma fama de "ganancioso".
Talvez este seja o único motivo de eu não ter ninguém comigo realmente sem qualquer motivo bem aparente.
Um ganancioso jamais se satisfaz, tudo sempre se torna tão pouco.
Todo avanço da civilização se deu por causa de pessoas gananciosas.
Se chegarmos a povoar outras galáxias e encontrarmos outros planetas iguais a Terra, coitados dos alienígenas, pessoas exatamente como eu não vão pensar muito.
Não somos muitos, mas obviamente somos muitos perigosos.
Assim retomo a imagem de meu comportamento, agora exclusivamente aqui, no blog, reparem como estou bem acompanhado; quero toda "riqueza" da vida só para mim.
E toda essa riqueza está tão guardada que não possui a mínima possibilidade de partilha; só de pensar em dividir um cisquinho eu já me armo até os dentes.
E na vida real, rss, sou assim também, amarro minha riqueza com correntes, tranco-a a sete chaves.
Minha riqueza não é para ninguém; não dou, não empresto e não vendo por lero lero nenhum.
Não é que eu seja inseguro, imaturo, invejoso, covarde, etc., mas tão somente porque sou ganancioso.
Ganância é a minha realidade, e o resto - a minha vida, a minha mãe, o meu amor, meu conhecimento - é pura diversão, ficção banal, só poesia, que podem ser sacrificadas.

Raízes da ficção

"Nesta vida única e limitada que temos, a cada instante nos vemos obrigados a escolher um único caminho entre infinitos que se apresentam.
Eleger essa possibilidade é abandonar as outras ao nada.
Essa possibilidade que nem sequer sabemos até aonde vai nos levar, pois nossa visão do futuro é precária e sentimos o mesmo desassossego que o navegante que precisa passar entre escolhos perigosíssimos em meio à névoa e a escuridão.
Temos certeza apenas que mais adiante está a inevitável morte, o que precisamente torna mais angustiante nossa escolha, pois faz dela algo único e inevitável.
Escolha, portanto, que parece inventada pelo demônio para nos atormentar, pórtico, como presumimos, de uma quase certa frustração, o caminho da desilusão e do fracasso. E, para maior escárnio, por causa de nossa própria vontade.
Na ficção, ensaiamos outros caminhos, lançando ao mundo personagens que parecem de carne e osso, mas que pertencem somente ao universo dos fantasmas. Entes que realizam por nós, e, de algum modo, em nós, destinos que a vida única nos vedou.
O romance, concreto mas irreal, é a forma que o homem inventou para escapar desse encurralamento.
Forma tão precária como o sonho, mas, ao menos, mais voluntariosa."
(Ernesto Sabato, O escritor e seus fantasmas, Companhia Das Letras)

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