domingo, 2 de agosto de 2009

Coletivo execrável ou sensacional, jamais!!!



Na maioria do tempo sou normal, existem vários momentos quando quero estar só, que se confundem com outros quando sou obrigado.

As circunstâncias, ou os acontecimentos, que eu, e todos, sem excessão, estamos SEMPRE inseridos, formam tal confusão.

E porque não sabemos se nossas atitudes estão para o bem ou mal, tanto pessoal quanto coletivo, adotamos muitas vezes a indiferença como uma simples defesa contra a ação objetivada.

Tédio, torpor, vassilação, fraqueza espiritual, arrogância, presunção, orgulho, etc., muitos são os nomes deste estado emocional, que aceitamos somente porque não mais conseguimos saber se, nossas atitudes, são por sobrevivência ou por alienação, em uma realidade(vide texto abaixo), que jamais nos dará resposta para a pergunta: vale a pena fazer algo para o mundo?

E, para piorar, quanto mais o tempo passa nessa interrogação "delirante porque inócua" ou nesse suposto aguardo da resposta, a indiferença vai se entranhando no ser, antes tomado em espirito, e à partir de então segue em direção à carne ou à matéria do que somos, para tomá-lo como - afirmação ousada - um contraobjetivo da vida. Causa óbvia de doenças psicossomáticas, ou prédisposição a determinados agentes "predadores" e ou "falta de sorte".

Esta reflexão serve como ponto de partida para se entender porque nem sempre possuir zilhões de valores de compra vai se satisfazer o anseio natural de felicidade.

Quando se pode encontrar facilmente alguem, totalmente desprovido de bens e imagem, com suas dificuldades existenciais melhor resolvidas, ao contrário dos providos "pela sorte" e aparentemente "sensacionais".

A sorte pode tranquilamente ser trocado por "esforço pessoal", e sensacionalidade por "talento natural". Mas se aquela pergunta permanecer...

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A linguagem, seja trasmitida da forma que seja, sonora ou silenciosa, de ser racional ou não, entendida ou não, ainda é a melhor forma de participação no Nosso Devir.

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1- Gostaria que a senhora contasse como se aproximou do MST e tornou-se psicanalista de membros do movimento, detalhando como esses atendimentos funcionam hoje. (Quantos pacientes do MST tem no momento e com quem frequencia os atende? Com base na premissa de que o pagamento, por menor que seja, é importante como forma de registrar o investimento do paciente nas sessões de psicanálise, a senhora cobra a sessão, um preço simbólico que seja?)
O MST tem uma escola nacional de formação de lideranças, a Escola Nacional Florestan Fernandes, a 60 km de SPaulo. Em 2005 e 2006 fui algumas vezes lá, dar aulas sobre temas de interesse deles em um curso sobre a compreensão da realidade brasileira organizado pelo professor Paulo Arantes. Nas duas vezes, alguns alunos mostraram curiosidade sobre a psicanálise.
Da segunda vez, ao me perguntarem "como a psicanálise pode ajudar a militância?" eu respondi que a psicanálise não é uma prática militante, mas muitos militantes precisariam fazer análise por motivos particulares; expliquei tb que a neurose interfere sempre na relação dos sujeitos com o laço social, o que vale para a militância tb. Eles me entenderam imediatamente. Quando saí da sala, dois administradores da escola me perguntaram: "quando você pode começar?" . Na semana seguinte estava lá, não para fazer conferência mas para atender pacientes. Me arrumaram um dos quartos do alojamento e os pacientes começaram a chegar - alguns dos trabalhadores fixos da escola, outros de outros Estados, que estavam lá de passagem fazendo cursos.
Desde aquela época, ou seja, há 3 anos e meio, vou quinzenalmente à ENFF e atendo quem estiver lá. Há pacientes fixos, outros que estão de passagem e vêm falar, duas ou três vezes, o que já é suficiente para acionar neles um início de intimidade com o inconsciente que eles aproveitam muito.
Não cobro nada pelas sessões feitas na Escola, mas se algum deles vem a SP, fazer uma sessão extra em meu consultório, cobro 15 reais. Até hoje isso não foi motivo para eles não se responsabilizarem pela análise. Eles sabem que meu trabalho lá não é por caridade nem por amor pessoal a cada um deles - é a "minha militância".
Este é o valor que eles me dão em troca do trabalho. Mas levam suas análises muito a sério, como aliás levam a sério quase todas as escolhas que fizeram.
2- Para alguém que chega de fora e depara com o movimento em ação, nas atividades e eventos coletivos de que a senhora participou, e individualmente, nas pessoas que analisa, o que mais lhe chamou atenção neste universo? É possível comparar questões, dores e valores que predominam entre os pacientes de seu consultório particular, em São Paulo, e os pacientes que atende na Escola Florestán Fernandes?

As formações do inconsciente não variam muito; lá existem neuróticos como em toda parte. Recebi alguns alcoólatras também, pois este é um dos sintomas mais frequentes, sobretudo entre homens, na sociedade brasileira - e nas classes pobres, mais ainda.
O que é muito diverso da minha clínica em SP são as histórias de vida, evidentemente. 100% dos analisandos do MST têm origem pobre, a maioria do meio rural; alguns, os mais jovens sobretudo, já vieram das periferias das cidades, onde além da pobreza conheceram muita violência. São histórias de vida que implicam em maior sofrimento real, mas os sintomas que se formam a partir da experiência traumática não variam muito.
Trata-se, sempre, de tentar escutar as pistas que indiquem o que está recalcado e fazer com que a pessoa também se escute e questione o que diz, de modo a encontrar pistas que a orientem na via de seu desejo.
O que mais diverge da minha experiência com a clínica em SP é que no MST não percebo, entre as queixas e indagações dos sujeitos, a prevalência do imaginário romântico-sentimental (inclusive no que diz respeito à demanda de amor, na transferência).
Não é no amor que eles buscam indicadores de seu valor para o Outro - é na "luta".
As histórias de sofrimento familiar, ou conjugal, raramente se centram nas demandas de amor não correspondidas, endereçadas ao pai, mãe, esposa/esposo. Não escuto essa queixa de que o pai, ou a mãe, gostava mais do irmão/da irmã/ se me ama/ se não me ama, etc. Não que a questão do valor do sujeito para o Outro não exista, mas curiosamente, ela não passa tanto pelas relações amorosas e familiares, nem pela demanda de amor ao analista.

3- Os movimentos sociais se fundam na noção do coletivo. Esta questão transparece de alguma forma quando um membro do MST está no divã?
Aparece sim, nas queixas frequentes de que o trabalho grupal, muito exigente, deixa pouca margem para os chamados "cuidados de si" - lazer, namoro, leituras, passeios, descanso. Mas não é difícil fazer com que eles percebam que o excesso de dedicação à "causa" coletiva pode ser um meio de escapar das questões singulares de cada um. Claro que estou generalizando, alguns permanecem muito mais aferrados a cumprir "o que o Outro quer de mim" do que outros, etc. Ao longo de algumas análises, emergem muitos conflitos com as normas coletivas da Escola - o sujeito, ao entrar em sintonia com o desejo, torna-se rebelde.
Mas essa rebeldia raramente é da ordem do individualismo, mais frequente nas classes média e alta urbanas.
Eles se rebelam contra a rigidez das normas coletivas, mas não perdem de vista o fato de que estão no movimento por escolha política e têm uma responsabilidade para com ele.

4- A senhora sempre demonstrou uma posição de esquerda, uma postura crítica acerca da sociedade de consumo e seus valores. Como isso se reflete na realização deste projeto junto ao MST e até mesmo em sua atividade como psicanalista?

Posso te dizer que sempre que saio de lá, penso que sou uma privilegiada por ter encontrado o MST e ter sido acolhida por eles como pessoa de confiança.
Também me acho uma pessoa de sorte por ter sido convidada a exercer a psicanálise, sem nenhuma concessão, em meio a este que é hoje o maior movimento social do mundo, com 600 mil militantes e 2 milhões de pessoas afiliadas a ele (incluindo famílias já assentadas, que às vezes não militam mais, mas reconhecem sua filiação ao MST).
Não é preciso fazer concessões para exercer a psicanálise entre eles porque, apesar da origem católica e rural, o movimento é legitimamente progressista - assim como a psicanálise, aliás.

5- Ao passar a frequentar um universo diferente do seu, marcado por bandeiras de luta e o sentido coletivo, em algum momento a senhora temeu a possibilidade de idealizar o movimento ou seus membros? Ou já se sentiu cobrada por membros do MST a agir de forma militante?

Nunca fui cobrada a agir como eles, seja isso o que for; mesmo porque, entre eles as diferenças de modos de agir também são muito grandes.
Sinto-me respeitada, inclusive em meu estilo mais aburguesado de ser: vou de carro, volto para SP depois dos atendimentos porque quero aproveitar o sábado, raramente fico lá para dormir, etc. Agora, não há dúvidas de que, para mim, é fácil idealizar o movimento. Não tanto pelo modo como eles conduzem suas lutas - tenho sérias divergências sobre algumas estratégias e falo sobre elas com pessoas que não são meus pacientes, quando os encontro no almoço, ou nos debates de que ainda participo.
O que eu sinto que idealizo, no MST, é a formação humana que eles conseguem obter.
A maior parte dos militantes veio de meios sociais violentos, com pouca escolarização, pouca noção de dignidade e respeito, tanto do sujeito quanto na relação com o outro.
No movimento, o valor da leitura, do conhecimento, da lealdade e da solidariedade, são imensos. Mesmo na clínica, onde os problemas mais profundos vêm à tona, não deixo de sentir admiração pela maioria de meus pacientes da ENFF.
Para você ter uma idéia, sabe qual é a maior demanda de "ascensão social" entre eles? Não é ganhar mais ou subir para uma posição de poder: é ser incluído entre os que podem estudar mais, entre os que têm direito a frequentar os cursos, etc.
Eles são seríssimos quanto a este aspecto; e quanto à solidariedade também, apesar de todos os defeitos humanos, que são os mesmos que os de todos nós. Mas isto não significa que eu não tenha admiração pelas pessoas que atendo em minha clínica particular, em SP.
Tenho sim, por quase todos eles, pela coragem em enfrentar seus fantasmas, em buscar sua via. Talvez a diferença não se coloque em relação ao valor de cada sujeito, um por um, mas em relação ao "caldo de cultura" em que se vive, lá e cá.

6- Houve um momento de maior condescendência _ mesmo idealização _ dos movimentos sociais no Brasil. Na sua opinião, que imagem esses movimentos têm hoje no país?

Não sei responder.
7- E como a psicanálise compreende os movimentos sociais?

Não sei grande coisa as respeito. Só aponto que existe, entre alguns psicanalistas, um preconceito de que a participação num movimento social seria uma forma de alienação.
Como se a adesão quase religiosa à psicanálise e às instituições psicanalíticas não fosse!!!

8- As questões do feminino e do feminismo figuram entre os temas sobre os quais a senhora já escreveu. Como avalia a posição das mulheres e as relações entre os sexos dentro do MST?

É uma posição muito interessante, a das mulheres. Até agora não encontrei, entre as mulheres que atendo no MST, nenhuma que não seja autenticamente feminista, no sentido mais profundo do termo.
Ou seja: são mulheres bastante livres em suas escolhas sexuais e amorosas - até mesmo as que vieram de movimentos da Igreja, mas que na análise, lutam para superar os entraves da moral católica.
Ao mesmo tempo, são tão decididas e dedicadas quanto os homens.
É interessante a posição das mulheres no movimento: muitas delas, por exemplo, têm cargos mais altos do que seus maridos.
Provavelmente, nos acampamentos, entre pessoas que vieram de outros lugares e acabam de ingressar no MST, deve haver muito machismo; este é o perfil da sociedade brasileira.
O outro detalhe interessante é que as mulheres que atendo lá, nunca submeteram a vida da militância às conveniências do casamento.
Viajam prá lá e prá cá, estudam nos cursos em módulos que o MST oferece em convênios com universidades - 3 meses na faculdade, 3 meses no movimento, durante toda a duração do curso - e os maridos seguram a onda, cuidam das crianças quando elas estão fora, etc.
O amor não é o centro da vida delas, o que é muito difícil de encontrar.
E também não medem seu valor pelo olhar de um homem; nunca ouvi uma moça que não namora dizer que se sente inferior às outras por isso.

9 - A senhora conta em O tempo e o cão: a atualidade das depressões, como um incidente a caminho da Escola Florestán Fernandes alavancou reflexões que culminaram neste livro que traz a depressão como sintoma social. Esse seu trânsito dentro de um movimento social e suas questões contribuiu de alguma forma para essa análise?

Talvez sim, no que diz respeito ao modo de viver o tempo. Por mais tarefas que eles tenham lá, a relação com o tempo numa perspectiva não capitalista é diferente da velocidade maluca que rege a vida de quase todos nós.
A relação que faço entre aceleração da vivência temporal e depressão, certamente tem um pouco a ver com minha experiência no MST.
Obrigada, um abraço, M.Rita.

5 comentários:

Luciano Fraga disse...

Meu amigo Devir,depois que passamos por algumas experiências(aliás infindáveis),alguns tolos acham que já sabem tudo.Como nada sei, depois de algumas, nasce a confusão, o que fazer, como agir à partir daquele novo momento, seguir igual, ser mais solidário, ser indiferente, ser compassivo ou arrogante, negar tudo? Há mais de 10 anos atrás, tivemos(eu e o amigo Nelson M. Filho) a oportunidade de visitar e filmar(na condição de video-maker)o dia em um acampamento Sem-Terra, pude perceber uma expectativa tristonha no ar, como uma luta inglória, vazia, pessoas com famílias perdidas, desorientadas, soltas no mato dentro de barracos de plástico(por sinal pretos(como o próprio luto), saímos de lá arrasados, apesar das imagens que captamos.Coincidentemente no dia seguinte um batalhão com mais de 200 policiais fortemente armados e munidos com tratores de esteiras, invadiram e destruiram tudo, até as carteiras de uma escola.Logo após a saída do pessoal, recebi um recado anônimo solicitando minha presença no local, ao chegar lá, um dos antigos integrantes saiu do mato, onde estava escondido dali saiu um depoimento dos mais contundentes e emocionantes que já escutei, chorei durante todo o tempo que filmava, tenho imagens guardadas disso, fizemos um pequeno documentário chamado Canta Galo-A destruição, ao ler a entrevista, tudo tornou-se vivo,melhorou um pouco meu entendimento, obrigado por nos acrescentar sempre, forte abraço.

Anita Mendes disse...

devir,
tinha lido essa reportagem um tempo atrás na revista caros amigos...
muitas pessoas não entendem o MST. não entendem seu idealismo(que nunca deixou de ser)
As pessoas estão acustumadas sempre ver as coisas acontecerem de cima pra baixo e quando acontece o contrário o desacordo pelas camadas mais baixas da sociedade é de se esperar.(tudo isso por causa da lavagem que fazem no sitema educativo , economico e principalmente informativo)
ainda tenho esperança mas a fraqueza do homem diante o poder é o que corrompe todos os ideais.

ps: grila não ...seus comments são bem -vindos.

beijos enormes , Anita.

Devir disse...

Confesso que não esperava
mais qualquer comentário
dessa tchurma blogger, mas
veja só que contradição, eu
estava agora muito nervoso
porque não podia conectar e
ficar sem aquela certeza...

Como já disse noutro lugar
tenho 3 blogs, mas esse tem
voce, Luciano, e também venho
deixando voce, Anita, entrar
sem vaselina na minha vida REAL

Em ambos estou acreditando...
Reticências porque já basta
de proporcionar diversão aos...

§

Luciano, jamais estive tão perto
de um acampamento do MST, porém
muitas lágrimas também derramei

Eu sei o quanto tudo nessa porra
de país é dissimulado na marra!!!

Embora o país, o Ser do Brasil, é
sua História, que transparece
no embate, de cabo a rabo, entre
costume versus 'ordem e progresso'

Reflita a sua experiência 'foda'
a partir daquele embate; na certa
vai querer fazer como o Cazuza, no
seu último show no nordeste, quando
só faltou mijar na verde amarela

Conclusão: "Ideologia, eu quero..."

Outro forte abraço, amigo Luciano

Anita, desculpe-me a bandeira...
Mas voce tem mais neurônios, Fé!,
sabe que nem tudo é tudo ou nada!

O momento é mais que delirante
basta apurar mais a atenção, creio
que o 'quase tudo' também vai ser
'infindável'!!!

E puta que o pariu como seria bom
agora!!! e em qualquer momento...

Este fim de semana foi de Heroes
primeira temporada até 3º DVD; óbvio que é a enésima vez, rss

Respeitando as limitações:
Outro enorme beijo em voce, Anita

Adriana Godoy disse...

Um experiência dessa revelada em entrevista muito bem conduzida."
Tédio, torpor, vassilação, fraqueza espiritual, arrogância, presunção, orgulho, etc., muitos são os nomes deste estado emocional, que aceitamos somente porque não mais conseguimos saber se, nossas atitudes, são por sobrevivência ou por alienação, em uma realidade(vide texto abaixo), que jamais nos dará resposta para a pergunta: vale a pena fazer algo para o mundo?

Isso causa desatino.e a resposta pode ser qualquer uma. Devir, você me pira. Mas gosto. Beijo.

Devir disse...

Como um imagem de seus amigos, voce é uma montanha beat. Portanto,
é certo que voce está bebendo a água na fonte e respirando deste ar rarefeito.
Quando pensar em mim, procure ouvir esta música e outras semelhantes:
Adagio for strings, Samuel Barber.

Abraço de 8:11 minutos