domingo, 16 de agosto de 2009

Quadros da vida - nos olhos



Eu não sei! Eu não sei!

Estas foram as palavras finais, no dia do casamento, há 4 anos atrás; ela se foi, e nunca mais soube notícias. Está respondida a sua pergunta, agora, relaxa. Estou pagando não é para conversar. Minha falta de experiência com as mulheres se deve a esta interrupçao brusca.

Passado alguns minutos ou segundos, não presto atenção em mais nada, contei também sobre como aconteceu. Não vou falar sobre ela, não perguntei sequer seu nome, e o corpo deve estar ainda quente; voce sabe, voce está fazendo papel de polícia aqui.

Eu não sei mentir. Abandonei a prática de embalsamador por isto, quando não importava meu talento, estilo, capacidade e poder de transcender, tornar o real mais real para assim confirmar que podemos ser mais além do meros humanos; ninguém acreditava e ainda me insultavam.

Meu pai morreu quando eu tinha poucos anos. Fiquei somente junto a minha mãe até o dia em que brigamos pela primeira vez, eu queria uma festa de debutante, e ela dizia que eu não era uma menina. Como se eu precisasse que me dissessem sobre a minha realidade. Um homem é homem, a mulher é uma mulher.

Parei de estudar e virei punk, entrava em casa só para me alimentar e usar o guarda roupas. Vagava pelas ruas e dormia dentro de vagões de trem, em construções abandonadas e debaixo dos viadutos. Usei drogas e tive relações sexuais até com a minha cadelinha, Bel.

Consegui ser o único punk sem usar roupas e símbolos. Escrevia poemas e mandava cartas para o jornal Folha de São Paulo; eu só gostava desse jornal porque tinha fama de moderno. De uma forma ou outra estava lutando para ser moderno também - esta vontade, confesso, era a única linha frágil que me prendia a respeitar o chamado "politicamente correto".

Também lia muito, lia tudo, aos poucos me transformei em um mendigo de livros. A princípio todos me ajudavam; eu entrava em restaurantes e pedia um livro emprestado ou dinheiro para comprá-lo, prometia com veemência devolver o livro e uma resenha em especial para cada pessoa, e as pessoas pensando se tratar de uma finíssima ironia. Mas, graças a Deus, não existe ironia que não se acabe.

Em dia radiante, um domingo, fui para casa, no afinco de abandonar a vida sem sentido que levava, encontrei minha mãe com um amante no sofá da sala; jamais esperava ver minha mãe feita uma puta, se exibindo e transando com um desconhecido.

Os dois tentaram me desculpar e eu fingi que estava tudo bem. Eles se vestiram, minha mãe ligou a TV, mas eu não conseguia assistir nada, o cara tentava me fazer perguntas, bancando um tipo de pai. Tentava forjar simpatia, então me ofereci para preparar um suco. Fui até a cozinha e esqueci meu propósito.

Tentando lembrar, percebi que meu pênis estava duro, e não entendi. Fiquei mal, deu ânsia de vomito, a cabeça doía horrivelmente e sentei na cadeira quase desmaiando. De repente o mal estar se dissipou. Fiquei muito feliz e também não entendi. Fiz o suco de amora assoviando Lou Reed. Coloquei três copos com muito gêlo e um pouquinho de cianureto em cada. Ultimamente era o cianureto que tomávamos como opção da barrigudinha.

Levei os sucos na bandeija juntamente com enormes azeitonas pretas. Bebemos e nos entendemos como se fosse uma família tradicional. Conversamos sobre coisas "insignificantes" como tentam ser as pessoas mais singulares do mundo. Rapidamente parti em mais uma viagem estupidamente maravilhosa. Quando voltei, encontrei minha mãe e o cara caídos ao chão; terceira situação que não entendi, no mesmo dia.

Eu lembrava o que fiz, mas acho que fugia o sentido. Joguei o corpo do cara no rio Tiête, depois chamei a polícia. Antes, claro, recolhi tudo que é pequeno e valioso, e todo o dinheiro que guardávamos em sociedade na casa e enterrei entre as raízes do carvalho, nos fundos.

Depois que me vi livre daquele problema, que sentei no sofá para assistir um filme, Táxi Drive - gosto deste filme porque queria ter um pai também para matar - lembrei da minha mãe.

A partir deste instante, uma semana se passou sem que eu pudesse dormir sequer alguns segundos. Foram os piores sete dias da minha vida; pensava em Deus apenas como compaixão pelo seu esforço de criar o mundo.

No sétimo dia precisa acabar com o meu sofrimento, então quis me redimir, assim como Ele, criei um homem bom, e seu limite para jamais querer ser melhor que ninguém, a total e irrestrita extirpação do mal.

Eu precisava recompensar portanto todo o mal já feito. Desenterrei minha mãe e a embalsamei.

Aos poucos fui aprendendo inclusive a lhe devolver também uma vida ainda melhor do que ela jamais poderia conseguir sozinha.

Muito adoentada, a idade avançava, ela preferia ficar na maioria do tempo à janela, de onde pode vigiar meu hotel. Ela implicava com isso. Ela queria que fosse, também, a dona, queria mandar em tudo; falando a verdade, tinha momentos que até pensava em matá-la, mas "jamais um filho, se for um homem bom, deve matar uma mãe, nem em último caso, lembre-se sempre disso, Norman".


E o resto eu já disse, está no filme, que já até fizeram continuação; aqueles miseráveis.

6 comentários:

Anita Mendes disse...

wow! devir!
adorei esse teu lado punk! sempre tive uma quedinha por eles (kkkkkkkkkkkkkk)
é vero: namorei um por 4 anos... talvez por isso me identifiquei com o personagem.

esse texto é um dos meus favoritos . Gosto da banalidade em que o personagem trata a morte (aquilo que o incomoda) , gosto dos problemas sociais, "edipiano- sexuaL" e traumas pós- puberdade. ele mantêm tudo isso perto de si em forma de catarse e catatonias.
pouco a pouco ele libera esse sentimento de felicidade por ter terminado sua missão... esperando (depois que o filme acabar) outra razão para continuar vivendo.

Ps: acho que que só faltou a pipoca e a cervejinha, não? kkkkkkkkkkkkkkk
ps 2: será que ele transcenderá como as " nossas " bactérias?
kkkkkkkkkkkkkkkkk

beijos! gostei muito...
tem continuação?

Devir disse...

Tarda mais não falha...

Troubled Walters, Cat power, invade
nos momentos quando respiro
e disconfio da verdade
que sou louco...

Não posso ficar só, na sua praia
e quando voce está lá
onde ninguém ousa dizer
eu sinto aqui, escondido da mamãe
e fico pondo e tirando
pondo e tirando
voce e ela, e elas e ela

o filme não pode parar, kkkkkkkkkk

Voce insiste nas "bactérias", hoje
falando com uma, que engraçado
meu irmão mais novo, eu
disse que as que compõe o petróleo
podem ser substituidas
pelas que desfazem laranjas
mas o sistema, Ou "eles" não querem
acho que vai contra o Capitalismo
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

Voce ri tanto, rss, tenho medo!!!

A pipoca se quiser pago mais isso e a cervejinha não quero voce assim
com tal conhecimento por detrás na
frente o velho vinho seco de guerra

Eu, voce e as "nossas" transcendências de paz
felicidade's antes tarde
do que nunca vão acreditar

Sobre continuações miseráveis, não

Atirei no dedo do gatilho antigo
mas ficou faltando uma
e não vou gastar com quem chegar
para rir por mim

E neste instante, voce
tem experiência, estou desconfortável, tão
que não posso, não, não

Estou pregado à parede e
um disco voador que colei
sobrevoa o útero final...

Um roçar de barba lacriamando

Adriana Godoy disse...

vou ler depois...agora meus olhos ardem.

Devir disse...

Ah se, pelo menos seus olhos
ardessem de desejos do bem!!!!

Anônimo disse...

uau! Psicose Rodriguiana! Adorei!

Devir disse...

É um dos caminhos
que nos trazem até aqui
com a devida homenagem ao filme