quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Uma odisséia de nosso tempo


Odisséia do nosso tempo, por Marcia Tiburi
sobre o filme Aliem, de Ridley Scott

"É certo que, se buscarmos a perspectiva da outra espécie, se tentarmos pensar do ponto de vista do Alien, ele será tão heróico quanto os personagens humanos que desejam caçá-lo. Acostumados que estamos a pensar do ponto de vista da espécie, negamos o outro. O outro, no entanto, é o que sempre retorna. Dentro da espécie agimos do mesmo modo, negamos o outro tão particular quanto cada um de nós e o egoísmo acaba por revelar-se nossa prática mais atual, ao mesmo tempo que arqui-primitiva. O filme, no entanto, vem abalar esta polarização à medida que o monstro é o que estando fora de nós vem se gestar dentro de nós. É o estranho inquietante sobre o qual falou Freud e que se gera dentro de nossos lares, de nossa nave humana, é o que encontramos no meio do caminho na viagem de retorno à casa que é a grande figura ocidental da subjetividade. Alien é, por isso, a maior obra de nosso tempo tal como o foi a Odisséia na antiguidade.
O filme não moraliza o Alien, não busca qualquer humanização do monstro para forçar empatia. Mesmo assim, certa simpatia pelo monstro que surgiu em nossa cultura deve ter motivos. Talvez ela venha do fato de que os outros 7 personagens, expondo-se em sua fragilidade humana, se tornem inconscientemente antipáticos a uma cultura não quer reconhecer a si mesma. Uma cultura que perdeu toda a relação com a vida como algo a ser preservado para além da procriação e que, no entanto, vem a saber o que ela significa pelo encontro com o monstro que procria tanto quanto nós. É a valorização da vida – e da luta sem limites por ela – o que o monstro faz lembrar. O monstro não é diferente do humano, apenas sua exteriorização, uma espécie de projeção negativa. A imagem mais pura do nosso medo da morte violenta.
O filme, mostra a vida humana em sua fragilidade – o que é o sangue que a simboliza, perto do ácido procriativo do monstro? – , mas, sobretudo, em seus esvaziamento exposto naquela interioridade da qual estamos alienados e que é reencontrada como forma monstruosa. Como algo que virá nos devorar, desaparecerá com nossos corpos e os devolverá hibridizados com o ser que nasce dentro de nosso corpo oco e tão mais frágil quanto mais oco, e dele se serve como um hospedeiro.
Em momento algum os opositores de Alien, todos carentes de interioridade, de angústia e de conflito, e mergulhados tão-somente no medo e em seus próprios interesses, conseguem ser mais interessantes do que o monstro em torno do qual gira todo o enredo. Pelo menos, o monstro ainda nos desperta o desejo de conhecer, de saber, de entender o que se passa para além de nosso umbigo. Sem linguagem, o monstro chama a atenção desmedidamente em relação aos personagens humanos porque é dono de um poder de destruição jamais imaginado, assim como chamou a atenção do sistema por sua “perfeição”. Mas, além disso, Alien, como imagem do futuro é também uma mensagem a ser ouvida, mesmo que, como dizia o slogan de lançamento do filme em 1979, “seu grito não será ouvido no espaço”. Para quem gosta do filme, o monstro como interioridade reencontrada, talvez nos faça perder o sono para sempre."
Veja o texto na íntegra:

5 comentários:

Luciano Fraga disse...

O filtro da verdadeira amizade permite ouvir/dizer não apenas aquilo que convém às partes,uma pessoa é um mundo só...Azeitonas e espinhos no centro da cidade, a pista.Abraço, Servir.

Devir disse...

Grande comentário, Luciano.
A prova disso, e totalmente de acordo, é este post, uma grande homenagem à Marcia Tiburi.
Tenho certeza que ela não diz somente o que convém para ela ou para 'um outro(os)'.
Ela diz para todos!!!
Todos são humanos, rss, pelo menos aqueles que podem entender, certo ou errado, e respondem livre de somente duas alternativas: defender ou atacar.

"Vamos pensando", abraço

ps. "Servir", no espelho do vir a ser? Ou, o quê?

Devir disse...

Luciano

Sem resposta? Rss, tá mudado, né?

São as partes de uma pessoa de um mundo só?
Ou são as partes de um mundo de uma pessoa só?

Seu espelho continua sua farda ou seu fardo?

Luciano Fraga disse...

Caro amigo Devir, nem na muda e nem mudado(rs), feito um pássaro triste ou mesmo um lagarto, estou em trânsito e correndo para os preparativos do dia 11.12,conforme convite no blog, não abro mão daqui, nem pense que vai se livrar assim tão fácil de mim, considero-lhe com coração,vai desculpando,voltarei grande abraço.

Devir disse...

Porra, Luciano
Seria o dia, estou sem dinheiro
para voar...
ou tem cola perversa neste galho
que me conforta
para surpresa da família...
perdoe-me a sujeira da roupa
há muito tempo fugi
só com o que vestia: liberdade

obrigado pelo seu carinho