segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Na dialogia do orgasmo de viver


Transcendência inominável pelo orgasmo descoberto

O narrador-personagem tem trinta anos quando descobre que sensações estranhas se passam com ele. As coisas começam a incomodá-lo. O mundo exterior torna-se impregnante. Ele conclui, sem esperanças, que a existência é vazia e sem razões. Os seres não têm finalidade. (Blog, João do Rio)
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Mudar da cabeça aos pés, sem perdão,
sem ressentimentos, igualmente sem razão
As verdades do corpo ainda imploram por Vida
precisam do Mundo, das Pessoas, do Planeta viável
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Cordão ela cortou com os dentes. Olhou o nenê: menino. Nojo tomou conta, o impulso de jogar pela privada. Pensou um instante, enrolou o filho em pano de chão e largou ao lado do vaso. O corredor emporcalhado de sangue e fezes. Movida pela fúria, Gina esfregou chão e paredes. Saiu do prédio sem olhar para trás, o menino enrolado embaixo do braço parecia mortinho de tão quieto. (Raiva nos raios de sol, Fernando Mantelli)
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Descer das cabeças ao pé, sem despencar
se deixar amparar no ombro amigo, direito e esquerdo
perder o tabu dos mamilos, se preciso se doar com amor
a uma das costelas, ou às duas, e descobrir o coração.
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Todo homem é comum mesmo não sendo. O não ser comum do homem parece estar em sua forma própria de ser comum. Em seu jeito singular de sofrer, brincar, envelhecer. Em sua necessidade de construir, simbolizar, criar. Um homem não deixa de ser comum mesmo entre letras, livros, máquinas, sistemas, signos. Um homem é sempre uma trajetória que declina. Que ascende, mas que declina. O comum do homem é sua aparição relâmpago, o seu constituir e o seu perecer. O comum do homem é sua necessidade de dizer, manifestar, inscrever, perpetuar. Ao mesmo tempo sua impossibilidade de permanecer. Todo homem constitui-se na tensão entre viver e morrer, entre dizer e calar, entre subir e descer. Mas, por razões extensas e difíceis, a história humana parece ter se ordenado em torno da vontade de não ser.Não envelhecer, não sentir dor, não se cansar, não se aborrecer. O homem parece envergonhar-se de ser: pequeno, sensível, mortal, humano. E organiza-se em torno de um ideal de homem, sem corpo. O homem envergonha-se de seu corpo. Não de seu sexo ou de seu prazer, mas de suas vísceras, de seus excrementos, de seus sons e odores, de seu processo bioquímico, fisiológico, orgânico. O homem envergonha-se de morrer e vai acuando-se, escondendo-se, perdendo-se em torno de uma idéia, de uma imagem. Em sua luta por não ser comum, o homem tornou-se nenhum. Todo homem virou nenhum. Nenhum homem na rua, em casa. Nenhum homem na cama. Nenhum homem, mas um nome. O homem se reduziu a um nome. Não um nome próprio, mas um substantivo. Mas um homem é sempre maior que um nome mesmo que não queira. E uma outra história foi sendo tecida por trás desse desejo de não ser. Enquanto construía seus mecanismos de não corpo, enquanto se constituía como idéia, pensamento, imagem, a humanidade proliferava em seus excessos contidos, em suas angústias não canalizadas, em suas paixões não vividas, em seus pavores maquiados. E um corpo invertido, nascido de tantos corpos abafados, foi constituindo-se socialmente, foi ganhando força e vida. Uma vida invertida, mas uma vida. (Um nenhum, Viviane Mosé)
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Abandonar o coração no melhor do entorpecimento
Resistir a tentação de adentrar umbigo ao passado
Enfrentar o inferno das bárbaras regiões erógenas
Totens amáveis ou odiáveis por Deus; buceta, pinto, cú.
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A violência trouxe-nos de volta a urgência pelo corpo, pela vida, pelo tempo. E apartou-nos de nosso sonho de perenidade, de futuro, de verdade. Agora, todos estamos órfãos de nosso medíocre projeto de felicidade. Agora é preciso viver, temos urgência do instante, precisamos do corpo, mesmo gordo, magro, estrábico. E aqui, de meu lugar comum, de mulher comum, enquanto lavo a louça do café olhando a cor insistente da tarde que passa, me pergunto por quê? Por que não os dias nublados, as dores do parto, os serviços domésticos? Por que não o escuro, o delírio, a solidão? As lágrimas, os espinhos no pé, as quedas? (Idem)
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O sagrado e o profano nos espelhos das vaidades, quebrar
O eufemismo lúbrico que represa medos, a violência e morte
Sem se amparar nas pernas que levam a lugar nenhum, então
Manter um contato mais real com a natureza, salvá-la.
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Dizem que o homem, como conhecemos, tende a desaparecer. É possível que uma espécie mais forte possa surgir, uma espécie capaz de um dia divertir-se com este nosso hábito demasiadamente humano de negar o inexorável, de controlar o incontrolável, e, não conseguindo, de esconder-se em cápsulas virtuais, em psicotrópicos de ultima geração, em imagens. Um homem que talvez tenha sempre existido pode começar enfim a surgir. Um homem capaz de viver a dor e a alegria de ser mortal, singular, sozinho, comum. Um homem capaz de gritar sua dor impossível. Um homem capaz de cantar. Um homem capaz de viver. (Ibidem)
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O pé, o pensamento, os pés e pensamentos, sentidos
Andar, voar, conhecer novos lugares, habitar outros comuns
Sempre novas existências, saborear e surpreender essências
Questionar por direito, Voce, Seu argumento lúdico e atroz
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Não dá pé, não tem pé nem cabeça
Não tem ninguém que mereça,
não tem coração que esqueça
Não tem jeito mesmo
Não tem dó no peito, não tem nem talvez
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Ter feito o que você me fez, desapareça
Cresça e desapareça
Não tem dó no peito, não tem jeito
Não tem coração que esqueça,
não tem ninguém que mereça,
Não tem pé, não tem cabeça
Não dá pé, não é direito
Não foi nada, eu não fiz nada disso e você fez um
Bicho de sete cabeças
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Não dá pé, não tem pé nem cabeça
Não tem ninguém que mereça,
não tem coração que esqueça
Não tem jeito mesmo
Não tem dó no peito, não tem nem talvez
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Ter feito o que você me fez, desapareça
Cresça e desapareça
Não tem dó no peito, não tem jeito
Não tem ninguém que mereça,
não tem coração que esqueça
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Não tem pé, não tem cabeça
Não dá pé, não é direito
Não foi nada, eu não fiz nada disso e você fez um
(Bicho De Sete Cabeças, Zé Ramalho)

9 comentários:

Luciano Fraga disse...

Caro amigo Devir, o trabalho tomou-me o tempo e fiquei devendo coment no post anterior(mas li).
"Era uma vez um homem e seu tempo..." O homem perdeu-se de si.Mas afinal o que foi desagregado.O homem do homem? Restou(?) um breve arcabouço de aço, sem pés , sem cabeça, fora do horizonte.O homem deserdou-se e passou a assombrar-se com a própria porção não homem que restou, com sombras num coração vazio e frio, "aí não dá pé".Precisamos de retomada? de terra nos pés? abraço.

Devir disse...

São as malditas concessões, inevitáveis para não se perder, talvez, os votos para as vindouras campanhas, e que nos aproximam lamentavelmente à pior política, ou à mais autêntica questão da política: como juntar gregos e troianos, sem que haja oprimidos?

Neutralidade; exatamente porque se parece a resposta acima de qualquer suspeita, deixo-a para depois da minha morte, de fato.
Optar por um dos lados; ser oprimido ou opressor, sem chance, quantas vezes eu conseguir.
Entre fogos cruzados; resistir contando com "Deus", sorte ou talento pessoal, parece o que mais me causa simpatia, ternura e criatividade; justamente os valores que AMBOS lados essencialmente mais desejam e estupidamente se opôem.

Deste modo, pode-se entender, como uma Demoncracia possa se confundir com o Toptalitarismo, porque ambos, de formas diversas e mormente diferentes, querem mais ou menos o mesmo.
As diferenças de seus métodos políticos, de um lado a violência descarada, e do outro, a violência velada, não se engane, é matemática, o resultado é sempre o mesmo; nenhum sentido e nada absoluto.

Nestes recantos minimalistas nos aproximamos tão bem dos animais irracionais, e perigosamente da matéria inanimada.

Luciano, não me tome como grosseiro, mas voce jamais me deve, assim como seus amigos, ok?

Precisamos recuperar o que temos de autenticamente sagrado!!!

Mais que um grande e forte abraço:

" Não há um "além" e o reino de Deus já é nesta Terra!" Luc Ferry

Anita Mendes disse...

querido devir, o sentimento de culpa do homem moderno o fez. entre dentes e cordoes umbilicais romperam-se os ligamentos( como as verdades e os ressentimentos)
sou escravo do tempo,(por nao querer ser), desse tao madito proletario sentimento que nos aparta do mundo e das pessoas que nos cuidam. Tentarei nascer de novo.quero ter tempo de dialogar, de viver e sentir orgasmos... nao quero ser escrava desse sentimento de culpa e de promessas falidas, de palavras nao cumpridas.
Ah! essa de vida Instituicoes que cobram mas em vez de nos pagar ...
quero e tento envelhecer sem depender , quero perpetuar minhas amizades sem magoa-las, quero nao falhar!(contigo)rs.
Ps; acho que me expliquei um pouquinho, ne? beijokas caro devir.... beijokas!

Mariana Abi Asli disse...

Dialéticas de indas e vindas de uma vida, de fuxico em fuxico, chegaram ao meus ouvidos me contando que desobramentos humanos é necessário, infinitas narrativas em busca de uma identidade,pensei "como assim apenas uma identidade?!" eu tenho várias, a expansão de poderes é natural alguém disse, faz parte desta natureza embriagada...(ah tá, pensei)
"O homem é a criatura que não pode sair de si, que só conhece os outros em si, e, dizendo o contrário, mente." Marcel Proust

bjs
Mari

Adriana Godoy disse...

Devir, vim, vi, li, gostei. Beijo.

Devir disse...

Anita, querida, tal sentimento de culpa procede a partir do momento que tentamos reduzir nossa vida em partes significativas e partes toleráveis, e nem sempre fazemos as separações certas.
Tipo, o trabalho do sustento e algo muito significativo, seja qual for, porque é fundamental.
O excesso de cobranças, diretas e indiretas, que incidem sobre ele, é terrível, mas precisa compor ainda a parte significativa.
E, como se fosse, e não é, o amor, com seu significado também inapelável, separado do trabalho. Este é um grande erro de proporções universais, que torna as relações trabalhistas e do mercado quase insustentável. Talvez por culpa, ainda, do processo desumano como se deu a revolução industrial.
Esta parte da vida não evoluiu conforme os benefícios de seus feitos. As regras se fazem dogmas como qualquer ordenação religiosa.
E ainda possuem o cabestro da ameaça a própria sobrevivência, diferente da religião que apenas ameaça, rss, mandar para o inferno.
Claro que ambas agem em comunhão, resumindo tudo em regras objetivas, onde somente um milagre ou algo como genialidade, possam muda-las para um sentido mais humano, e que sejam para todos.
Os egoistas que jogam tão somente com tais regras serão os melhores.
Mas isto é um papo chato prá...

Como voce poderia falhar (comigo), se não existem regras para o amor.
Regras são somente as partes toleráveis, sua relatividade, significantes circunstanciais.

Amor e trabalho, como paradoxo, como efeito de união "impossível" é um dos maiores lugares para abrigar a sensação de felicidade.

Amar o trabalho e trabalhar o amor se assemelham ao literario espelho, mas o difícil é saber quem fará a vez do real, ou a vez do reflexo.
Melhor mesmo, então, é manter o espelho em sua condição literal, com sua utilidade simplificada.
Rss, seja quem for o real na imagem, que jamais se apaixone pelo irreal.
Ah, que campo fértil para diálogos orgásticos!!!
Voce, acredito, sabe que o orgasmo não é essencialmente físico, porque não há conta de quantas vezes, mesmo quando tudo foi muito bem feito, orgasmos não acontecem.

Eu, robô, dizendo essas coisas?!!

Beijos

Devir disse...

Mariana, de fato e de desejo, quem poderia conter Outro, fora de si?
Rss, Roquentim? Proust? Beckett?

Nem me atrevo a ler Proust, mas Beckett é de foder, para homem, tento falar pelo brasileiro, até bananeira, porque, aqui, esperar Godot, tal absurdo é impensável.

Sempre quem diz o contrário é o tal reflexo que vimos no espelho.
Mas quem é quem, ontologicamente?

Quem fuxica não tem desejo próprio.
É permanência ou passagem dos desejos dos outros.

A Gina, só naquele fragmento do livro do Fernando Mantelli, realiza seus próprios desejos.
Quem pode julgá-la além da Justiça Oficialmente Reconhecida?
Algum "erro humano", qual ela.

Beijos até a embriaguez!!!

Devir disse...

Valeu ter aparecido, AGod.

Devir disse...

"E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado,
tenho sido mais ridículo ainda"
(Trecho de Linha Reta - Fernando Pessoa)

Posso estar muito estupidamente embriagado, mas sei qual a diferença entre céu e inferno.