segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Segue o balanço de 2009


Telhado de vidro
quebraquandoquebrapouco
oxigenas

Exercício de pluralidade foi o começo do balanço de 2009, onde o conceito discutido tão parcialmente, que pouco se impôs ao nome. Os nomes tem mesmo esta característica, iluminar tão forte para que não exista sombras, para não delinear o conceito que eles representam. É como se aceitar a estupidez de que a luz é tudo para a fotografia. E conviver com estúpidos para escrever uma História. Obviamente, os estúpidos, aqui, não são quem não entram por falta de vontade.
Muitos poderiam dizer que estou usando um nome um tanto agressivo, para destilar terceiras intenções, com honrarias. É como excesso de luz. Por detrás das segundas intenções, essas igualmente por detrás das primeiras, porém sem a culpa dos carrascos.
Culpas quase sempre inexpugnáveis.
Aprendi com o professor Modesto Carone, da Unicamp, sem nunca tê-lo visto mais bonito ou mais feio, que os adjetivos preconceituosos se travestem em metáforas elegantes. Assim como qualquer Rei só o é pela vestimenta roxa; que serve de exemplo. Outro exemplo mais extensivo é metaforizar lágrimas com a chuva. E vale a pena salientar outro exemplo, este mais íntimo ao ser inalienável, chamar o ser desnaturalizado de espantalho.
Aprendi que refinar preconceitos já gestou muitos poetas ilustres na História.
A mais clássica dessas metáforas é crer na "herança" animal como a sombra do ser civilizado.
A estupidez é fato quase científico também. Prova-se ao ler suas ficções, professor.
Já tentei colocar por aqui suas ideias, mas a iluminação é demais, foram ignoradas.
Representar é uma arte.
Recentemente, por aqui, pudemos apreciar um verdadeiro artista de teatro, momento raro onde até acreditamos que a arte pode ser incorruptível. Onde até acreditamos que a arte é o maior bem cultural. Onde o caos vestido com elegância pode reinar em harmonia com a estupidez.
Lentamente vamos caminhando com pés de tartaruga e cérebros de coelho. Sei o quanto é complexo divagar sobre a possibilidade de um casco com pelos macios. Sequer a Anita é capaz de gemer uma teoria.
Mas estou divagando também, embora o tema seja o conceito de balanço. Perdas e ganhos não podem fugir de nossas vistas; existe um filme excelente sobre isso.
Mas, deixando metáforas então bem entendidas, o nome da pedra foi a pauta do ano, não só nos comentários como na quase totalidade dos posts dos blogs afins.
Quase igual em peso e medida com a metáfora das lágrimas; pessoalmente, é claro.
Basta calcular o peso da chuva, porque o peso das lágrimas é irrisório.
Honestamente a culpa não é dos poetas, mesmo quando ainda são apenas alfaiates e costureiras.
A pedra mais dura, João Cabral de Melo Neto já disse, e infelizmente a luz ofuscou também.
Poderia chamá-la por seu nome americano*, ou por suas características químicas, ou até mesmo por seu componente psicossocial, mas seria chover no molhado.
Pedra é o mais singular, simultâneamente o melhor, para não me complicar, porque pedrada é muito perigoso substituir. Esses nomes, pentelhos, ninguém quer ter, rss.
Acusaram-me - claro, terceira pessoa no plural não existe para a bailarina que dança somente por ser feliz - de jogar muita pedra no telhado alheio.
Nunca me exigiram uma razão suficiente, para que eu responda com uma razão eficiente.
Pedra, nome e conceito, são um tanto complexos, ou muito ardilosos para a saúde de Goldstein.
Segundo Focô, os loucos são parcelas da sociedade passíveis de trabalhá-las. As teorias do trabalho, depois de Marx, todo mundo conhece.
Se, de fato, eu estivesse, sempre!, jogando pedras no telhado alheio [Deus, por favor, leve-me], pela comparação quantitativa e qualitativa, cidades estariam cobertas.
[Deus, por favor, rss, tenha paciência] Lembrei também, em comparação qualitativa e quantitativa, das flores. Que não quebram nossos telhados de vidro.

SEMPRE É BOM LEMBRAR
A matéria incoerente e vertiginosa dos sonhos

O objetivo que o guiava não era impossível, ainda que sobrenatural.
Queria sonhar um homem: queria sonhá-lo
com integridade minuciosa e impô-lo à realidade.
Esse projeto mágico esgotara o inteiro espaço de sua alma;
se alguém lhe perguntasse o próprio nome ou
qualquer traço de sua vida anterior, não teria resposta.

Convinha-lhe o templo inabitado e derruido,
porque era um mínimo de mundo visível;
a vizinhança dos lavradores também, porque estes
se encarregavam de suprir suas necessidades frugais.
O arroz e as frutas de seu tributo eram pábulos suficiente para seu corpo,
consagrado à única tarefa de dormir e sonhar.

No começo, eram caóticos os sonhos;
pouco depois, foram de natureza dialética.
O forasteiro sonhava-se no centro de um anfiteatro circular
que era de certo modo o templo incendiado: nuvens de alunos taciturnos
fatigavam os degraus; os rostos dos últimos pendiam há muitos séculos
de distância e a uma altura estelar, mas eram absolutamente precisos.

O homem ditava-lhes lições de Anatomia, de Cosmografia, de magia:
as fisionomias concentravam-se ávidas e
procuravam responder com entendimentos,
como se adivinhassem a importância daquele exame,
que redimiria em cada um a condição de vã aparência e
o interpolaria no mundo real.

O homem, no sonho e na vigília,
considerava as respostas de seus fantasmas,
não se deixava iludir por impostores,
previa em certas perplexidades uma inteligência crescente.
Buscava uma alma que
merecesse participar do universo.

Depois de nove ou dez noites, compreendeu, com alguma amargura,
que não podia esperar nada daqueles alunos que
passivamente aceitavam sua doutrina
e sim daqueles que arriscavam, às vezes, uma contradição razoável.
Os primeiros, embora dignos de amor e afeição,
não podiam ascender a indivíduos; os últimos preexistiam um pouco mais.

Recomposição parcial do conto As Ruínas Circulares, Jorge Luis Borges
No livro Ficções, editora Globo, tradução de Calos Nejar - 1970

2 comentários:

Anônimo disse...

A mais nobre arte: a de pensar! Aqui tão bem representada!!

Devir disse...

Agradeço muito, Mel.