sábado, 30 de janeiro de 2010

Descaminhos entre Antes e Durante

Folhas vermelhas que resistem ao frio e a falta de ar enquanto houver Sol
:(
CONTRAPONTO
Seu pensamento é antes de tudo o de um paranóico: o sistema já venceu sempre o que se opõe a ele, já recuperou e integrou sempre aquilo que o contesta.
De onde a idéia de que a luta deve ser levada sobre um fundo de derrota primordial.
Luta-se, claro, mas com a idéia de que, de todo modo, o combate estará perdido antes, daí uma ironia que se queria "subversiva" com muito de melancolia.
Mas quem não vê que aquilo com que sonha todo o sistema é triunfar por antecipação sobre toda luta, toda oposição?
Que ele sonha se tornar mais real na vida das pessoas do que o próprio poder de resistência ou os próprios desejos delas?
Nós não vivemos numa sociedade do espetáculo, mas numa sociedade real, onde as ações são reais, nas almas e nos corpos.

:)"ELE FOI MEU MESTRE"

Tristeza das gerações sem « mestres ».
Nossos mestres não são apenas os professores públicos, ainda que tenhamos uma grande necessidade de professores.
No momento em que atingimos a idade adulta, nossos mestres são aqueles que nos tocam com uma novidade radical, aqueles que sabem inventar uma técnica artística ou literária e encontrar as maneiras de pensar que correspondem à nossa modernidade, quer dizer, tanto às nossas dificuldades como aos nossos entusiasmos difusos.

Sabemos que existe apenas um valor de arte e até mesmo de verdade : a « primeira mão », a novidade autêntica daquilo que se diz, a « musiquinha » com a qual aquilo é dito.
Sartre foi isso,
para nós.
Quem, na época, soube dizer algo de novo além de Sartre ?
Quem nos ensinou novas maneiras de pensar ?
(Sartre assimilava de bom grado a existência do homem ao não-ser de um "buraco" no mundo : pequenos lagos de nada, dizia.)

Tudo passava por Sartre, não apenas porque, sendo um filósofo, possuía um gênio da totalização, mas porque sabia inventar o novo.
As primeiras representações de As Moscas, a aparição de O Ser e o nada, a conferência O Existencialismo é um humanismo foram acontecimentos : aprendia-se aí, depois de longas noites, a identidade do pensamento e da liberdade.
Até mesmo a Sorbonne precisa de uma anti-Sorbonne, e os estudantes só escutam bem seus professores quando têm também outros mestres.

Os pensadores privados têm duas características: uma espécie de solidão que permanece como propriamente sua em qualquer circunstância; mas também uma certa agitação, uma certa desordem do mundo, na qual eles surgem e falam.
Além do mais, só falam em seu próprio nome, sem « representar » nada; e solicitam presenças brutas no mundo, potências nuas que de modo algum são « representáveis ».
Sartre traçava o ideal do escritor : « O escritor retomará o mundo tal e qual, todo nu, todo suado, todo fedido, todo cotidiano, para apresentá-lo às liberdades fundado sobre uma liberdade…

Não é suficiente conceder ao escritor a liberdade de dizer tudo !
É preciso que ele escreva a um público que tenha a liberdade de mudar tudo, o que significa – além da supressão das classes – a abolição de toda ditadura, a renovação perpétua dos cargos, a derrubada contínua da ordem – a partir do momento em que ameaça se fixar.
Em uma só palavra, a literatura é essencialmente a subjetividade de uma sociedade em revolução permanente"

Desde o início Sartre concebeu o escritor sob a forma de um homem como os outros, dirigindo-se aos outros do ponto de vista único de sua liberdade.
Sartre acaba de recusar o prêmio Nobel.

Continuação prática da mesma atitude, horror à idéia de representar algo praticamente, ainda que seja dos valores espirituais ou, como ele, diz, de ser institucionalizado.

O pensador privado precisa de um mundo que comporte um mínimo de desordem, mesmo que seja apenas uma esperança revolucionária, um grão de revolução permanente.
Em Sartre, há uma espécie de fixação na Liberação, nas esperanças desiludidas desse momento.
Ah ! juventude.

Porém, maior ainda do que a solidão do pensador privado, há a solidão dos que buscam um mestre, dos que gostariam de um mestre e que só poderiam encontrá-lo num mundo agitado.
Falamos de Sartre como se ele pertencesse a uma época acabada.
Nós é que estamos já acabados na ordem moral e no conformismo atual.
Pelo menos Sartre nos permite uma vaga espera dos momentos futuros, de retomadas nas quais o pensamento se reformará e refará suas totalidades, como potência ao mesmo tempo coletiva e privada.

É por isso que Sartre continua sendo nosso mestre.
E cada vez, a essência e o exemplo entravam em relações complexas que davam um estilo novo à filosofia.
O garçom do café, a moça apaixonada, o homem feio e, principalmente, meu amigo-Pierre-que-nunca-estava-presente, formavam verdadeiros romances na obra filosófica e percutiam as essências ao ritmo de seus exemplos existenciais.

Por toda parte brilhava uma sintaxe violenta, feita de rachaduras e de estiramentos, lembrando as duas obsessões sartreanas : os lagos de não-ser, as viscosidades da matéria.

A recusa do prêmio Nobel é uma boa notícia.
Finalmente, alguém que não tenta explicar que é um delicioso paradoxo para um escritor, para um pensador privado, aceitar honras e representações públicas.
Muitos espertinhos já tentam levar Sartre à contradição :
demonstram-lhe sentimentos de despeito, vindo o prêmio tarde demais ;
objetam dizendo que, de qualquer maneira, ele representa algo ;
recordam-lhe que, de todo modo, seu sucesso foi e permanece sendo burguês ;
deixam entender que sua recusa não é nem sensata nem adulta ;
mostram-lhe o exemplo daqueles que aceitaram-recusando, dando pelo menos o dinheiro à caridade.

Melhor seria não provocar muito, Sartre é um polemista perigoso…
Não há gênio sem paródia de si mesmo.
Mas qual é a melhor paródia?
Tornar-se um velho adaptado, uma autoridade espiritual coquete?
Ou então querer ser o abobado da Liberação?
Ver-se acadêmico ou sonhar em ser combatente venezuelano ?
Quem não vê a diferença de qualidade, a diferença de gênio, a diferença vital entre essas duas escolhas ou essas duas paródias?

Ao que Sartre é fiel?
Sempre ao amigo Pierre-que-nunca-está-presente.
É o destino desse autor trazer ar puro quando ele fala, mesmo que seja difícil respirar esse ar puro, o ar das ausências.
Ö
Atenção: Agradeço a quem buscar as fontes

6 comentários:

Mariana Abi Asli disse...

“Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo.”
Michel Foucault

A nossa sociedade hoje constitui cidadãos fracos, impotentes, poderíamos dizer que é culpa do "poder"?!da igreja cristã?! talvez, pois ele sempre existiu na nossa história humana, na idade média abatiam alguma parte do corpo quando alguém "fazia algo errado" em praças públicas, mostravam-se à todos "cidadãos" a sua força e poder (no sentido cruel e enfático da palavra)
com o passar do tempo as repressões políticas foram maquilados(o poder se tornou invisível) afirmativos, para a dominação da vida, controlam-se pensamentos humanos. A contemporaneidade foi massificada pelo "bem comum" para o "bem social". A capacidade de potencializar foi abstraida da mente humana.
Há alguns mestres que conheci (no qual serei eternamente grata por me darem "luzes a razão"), foram "rebeldes", anarquistas, alguns renegaram o luxo e o conforto do capitalismo para um emprego de educador.
Intelectuais como estes estão cada vez mais raros de se encontrar... eu vejo pessoas endeusando por aí sem o mínimo de consciência crítica da própria vida, são de espíritos
esquecidos e consumidos pelas rotinas cada vez mais velozes...
E de quem é a culpa? quando paro para pensar, repensar, pela hereditariedade da nossa cultura e da nossa história, sempre encontro um ser humano meio assim... meio preguiçoso, creio que esta preguiça venha do medo ou o medo causa uma certa preguiça. As pessoas não gostam da responsabilidade e o peso que a liberdade proporciona, mesmo estando condenado a ela, é mais fácil passar o “bastão”, ou projetar amores, e alguma coisa de errado no futuro, o compromisso nunca é do ser, pois afinal os infernos são os outros.


bjs
(tenho outras palavras, mas sempre acabo patinando no tema, rs)

Devir disse...

Rss, não sei, juro, isso eu não sei, logo eu que sou atinado às questões mais mumificadas, se, a cada caso, mas a sua mais do que nunca, fosse melhor, toda criatura uma patinadora assim, ou toda patinadora uma criatura assim.
Na França, outro dia mesmo, séculos talvez, talvez a mudança, para muitos, deu-se apenas nas maquiagens, havia "big brothers" para os cadávers, só dos indesejáveis!, que morriam em combates soturnos contra o sistema.
Não estou dizendo, rss, voce é quem diz, lembrar o reality shows atuais é mera coincidência, que "A capacidade de potencializar foi abstraida da mente humana." Não me haveria nenhuma compensação, se a metáfora ou o literal "bastão" for lubrificado com meu sangue.
Conforme meu elogio ao Roquentim, que agiu certo, mas patinou muito mal, que bastava resistir ao inferno, para entrar no céu.
Não é fácil; apesar disso ser daqueles clichês, tomados de quem realmente a vida não é fácil.
Oportunamente, entre nós, creio que levo uma vantagem enorme, será bem mais fácil para mim, porque tal álibi não é falso.
"E de quem é a culpa? quando paro para pensar, repensar," não me sinto melhor com tal vantagem, sinto-me meio perdendo, ou meio ganhando, antes de tudo. Então assim, meio, morno, pela metade, costumo culpar-me e isto é um efeito de recurso; antes isso do que viver ficção pontual, que meu filho, não aguenta mais ouvir.
Empregar um educador, além de lavar a própria alma, se lhe dar liberdade e "luzes a razão", lava também com certeza a alma de uma Nação, mesmo sendo esta quase totalmente "batizada" por 'macús', de credo em cruzes ou não.
Neste instante "Altas Horas" falam de nós: "O inferno sou eu!"
Meus patins também são infernais!!!

"Infelizes" beijos a existir

Luciano Fraga disse...

Caro amigo Devir,"ouço às vezes passos,volto-me: ninguém.Que resta de um homem, quando não é visto?Apenas um sabor íntimo...Voltemos à tenra infância de antes do desmame(seria antes dos nomes?), a essa infância muda, sem carapaças nem corseletes, em que vivíamos com nossas mães em confusão carnal, um pouco úmida em que não éramos objetos de ninguém.Em Veneza , qual pai detestar?" Coincidentemente, concluí a leitura de a rainha de albemarle ou o último turista,narra suas viagens e passeios por Veneza, uma pérola sartriana, se já leu, releia, grande abraço de volta.

Devir disse...

Sim, e posso cometer um "pecado", digo, o "universo" sartreano e uma outra corrente de Prometeu.
Neste mito, talvez por isso, não consta, essencialmente, tal existencialismo.
Na época grega, a globalização era estritamente virtual, tinha-se razões muito obscuras acerca do tamanho do planeta.
Sartre arrancou, ou revelou, à maneira do progresso científico, a extensão do "mundo" que ainda nos falta abarcar e "tornar sustentável".
Portanto, é outra via política, diferente, para emissões de políticas contrárias da majoritária. Outra forma de luta, justa pronta para quem se desencantou com lutas armadas.
Obviamente porque toda luta coletiva se dá na superfície.
Identifique a face de um suposto existencialismo Norte Americano, que seria uma tentativa de unir a força física à força espiritual (francesa), e enxergará o contraponto fundamental de sua Potência.
Reassista ao filme Era Uma Vez Na América, atravez deste prisma e dificilmente não concordará comigo.
Acredito que, no Brasil e américa latina por consequência, vive-se o tempo oportuno para uma "certificação de identidade" sustentável ; razão sine qua non para se impor respeito no Mundo e, infelizmente, também, a si mesmo.
Fechando com um nó, sem chance de desatar, rss, repito, contraponto é fundamental.

O "pecado original" do devir antes dos nomes é sempre se fazer oferta, cada vez mais barateada, e na maioria das vezes de graça, de "contrapontos no atacado e varejo".

Já pensou que casal brasileiro "feliz" seria Carmem Miranda e Macunaíma. Não!?! Claro, difícil até de imaginar.

Não estou brincado com meu pintinho, Mamãe.
Mas o que faço com isso, Papai?
Antes dos desmames, os nomes imperavam absoluto!!!

Devir disse...

Gostei disso "ouço às vezes passos,volto-me: ninguém.Que resta de um homem, quando não é visto?Apenas um sabor íntimo...Voltemos à tenra infância de antes do desmame(seria antes dos nomes?", que merece mais respeito e resposta do que no comment anterior.

UM ELOGIO A INGENUIDADE
para voce, o guru e o bardo

Cada qual, no inconsciente, é filho de diverciados, que sonha reparar a mãe e fazer vir o pai, tirá-lo de seu esconderijo: tal nos parece a base daquilo que Freud chamava de "romance familiar", que ligava ao complexo de Édipo.
Jamais a criança teve melhores intenções na sua confiança narcísica, jamais sertir-se-á tão boa e, longe de lançar-se em um empreendimento agustiante e culpável, jamais nesta posição acreditou-se tão próxima de conjurar a angústia ou a culpabilidade das posições precedentes.
É verdade que ela toma o lugar do pai e a mãe como objeto incestuoso.
Mas a relação de incesto como a de procuração não implica aqui a violência: nenhum estripamento ou usurpação, mas ao contrário uma relação de superfície, um processo de reparação e de evocação em que o falo opera uma dobra na superfície.
Não enegrecemos', não endurecemos o complexo de Édipo senão niglegenciando o horror dos estágios precedentes em que o pior se passou e esquecendo que a situação edipiana não é atingida a ser na medida em que as pulsões libidinosas puderam se destacar das pulsões destruidoras.

Quando Freud observa que o homem normal não é somente mais imoral do que crê, mas mais moral do que suspeita, isto é verdade antes de tudo com realação ao complexo de Édipo.

Édipo é uma tragédia, mas é o caso de se dizer que se deve imaginar o herói trágico alegre e inocente e partindo com o pé direito.
O incesto com a mãe por repararação, a substituição do pai por evocação, não são somentes boas intenções (pois é com o complexo de Édipo que nasce a intenção, noção moral por excelência).

Édipo é hercúleo, porque ele também, pacificador, quer constituir para si mesmo um reinado de seu porte, reinado das superfícies da terra.
Ele acreditou conjurar os monstros das profundidades e fazer suas aliadas as potências do alto.
E, inseparável de seu empreendimento, há reparar a mãe e fazer vir o pai: o verdadeiro complexo de Édipo.

Luciano, se voce não entendeu, então não sabe como trazer essas "palavras" para AquiAíAcolá, o que posso fazer, só sei nadar por mim, e se não dá pé, nade, ou tenha sorte...

Devir disse...

errata, rss: divorciados