sábado, 11 de julho de 2009

Na hora das reclamações



Hoje é domingo. Tenho que esconder a todo instante este aparelho. Hoje estou meio louco, vendi minha janta por quatro cigarros. Ainda não os fumei. Vou acender um agora. Quero muito mostrar quem sou, sem frescura, o que sou impossível mostrar para todos aqui, é coisa de intimidade, tem muitos trogloditas dividindo este lar e pode ter certeza que não são elfemismos ou ficção evasiva. Invasiva, talvez, mas isso é algo relativo, depende muito da fragilidade de quem ler.
Aqui dentro não existem dúvidas. Imagine como é difícil não perceber o fracasso da civilização, aqui, com outros vinte e seis homens no espaço para quatro, isto por celas, e são quatorze, algumas bem mais lotadas. Na hora das refeições, somos divididos, mas no pátio externo, somos todos; falamos assim: depois do comprimido de liberdade. Imagine. Não pense, ninguem vai querer sentir isso aqui. Opa, vou colar algo, enquanto passa a guarda da noite.

"And all I can taste is this moment
And all I can breathe is your life
Cause sooner or later it's over
I just don't want to miss you tonight

And I don't want the world to see me
Cause I don't think that they'd understand
When everything's made to be broken
I just want you to know who I am"

Desculpa por ontem.
Todas luzes se apagaram, alguns minutos antes do normal, e a luz do aparelho é vista com facilidade. Por pouco, não sei quando voltaria. Hoje já é segunda. Não sei se é so imaginação, mas acho que depois que fui lá no seu blog - voce deve ser uma menina fotógrafa linda - não me interprete mal, nesta situação, posso apreciar a beleza sem invejá-la - e deixei um comentário, para aquela pergunta fundamental: Quem é voce?

Há alguns meses tenho este computador para me comunicar com o mundo de fora.
Sou um presidiário, minha pena é perpétua; tenho 49 anos, vai ser moleza, na certa bem menos tempo do que já passei aqui. Eu consigo alguns livros, lei-os várias vezes e depois passo para o próximo da fila.
Então quero dizer que seu blog é muito bonito. Mas não é comum se estender demais em um comentário; odeio quando toca a campanhia para dormir. Antes do apagar das luzes, sempre vai sobrar um tempinho para voce.
Depressa vou escrever sobre a foto: Eu a quereria aqui na minha parede, para mim - não so um egoísta, posso explicar - jamais para os outros, uma espécie cuja única igualdade é estar todos encarcerados a sofrer suas verdadeiras penas - para quando sonhar com a liberdade, não a que perdi; se quiser posso contar como decidi perdê-la.

... percebi, como antes estava escrevendo, depois que voltei do seu blog, hoje durante o dia, que meus companheiros me olhavam diferente. Até neste momento, eles estão fingindo, mas eu sei que me olham de outra forma. Já não encaram mais. Nâo sei se isso é bom. Mas pode ser bom, estão apenas curiosos e em processo de letargia, quando e como acordar, perceberei facilmente.
Desculpa, esta escrita veloz, voce consegue imaginar, tenho certeza que tem estudo, que veio de família funcional, seu pai e sua mãe nunca brigaram na sua frente, nunca foi traida por ninguém.

E eu um marginal radical da sociedade.
Quando estava livre, nenhuma porta de facilidade gratuita ou barata entrava, eu gostava de estudar, nunca parei de trabalhar com carteira assinada. Duas derrotas não posso evitar de sofrer: Não terminar minha faculdade de Direito e não entrar para a Polícia Civil. Nada mais dói, sério.

Vamos combinar o seguinte, para facilitar nossa comunicação, tudo que não entender, voce me pergunta no espaço dos comentários. Não importa se aquele espaço vier parecer sala de bate papo. Existe um detalhe que impedirá disto acontecer.

Hoje, antes de voltarmos para o quarto, depois do pátio depois da janta, um rapaz jovem, veio para cá a pouco tempo, disse-me tem um plano de fuga. Estou pensando no risco, à tôa, porque não tenho mais nada para fazer do lado de fora. Aqui não pago nada, posso trabalhar se quiser, posso ajudar minha família, mas aonde estão, nem sequer sei mais. Eu decidi esquecer.

E já esta chegando a hora de apagarem as luzes. Então, outro dia, vamos torcer que logo amanhã pela manhã, eu consiga um tempinho para entrar aqui e lhe escrever. Quando ler e puder, pergunte o que não entendeu. Um abraço para voce, que não é qualquer uma. Me escreva.

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