quarta-feira, 1 de julho de 2009

O inefável das quimeras



Aqui, neste post, voce vai encontrar duas situações que ilustram como podemos perder nosso livre arbítrio. E sem esta exclusiva capacidade humana, pode-se muito bem errar e ser perdoado ou perdoar. Embora o perdão, também, na sua melhor expressão, é resultado do livre arbítrio.
A arrogância, tanto quanto a humildade, nem sempre é uma questão de escolha. O mesmo se pode dizer do amor, do ódio, da grandeza, da fraqueza, da piedade, da crueldade, da paz, da guerra, da feiura, da beleza, etc; a lista é infinita, e devemos à aventura de viver, nos preparar para uma luta infinita, rss, até que a morte nos separe deste prazer. A vida é bela, a bela é doce, quando a tempo, livre e verdadeira.
Não há dúvidas que reproduzimos iguais métodos de sobrevivência dos animais irracionais, quase sempre reforçados pela racionalidade. Portanto, esta nem sempre é sinônimo de evolução.
Enfim, acredito que o melhor sinônimo de evolução, da evolução do humano sobre as bestas, é o livre arbítrio.
Se uma besta não se responsabiliza por suas condutas, antes de sacrificá-las, ou as enjaular, ou até humilhá-las, metafórica e literalmente, quando possível, precisamos nos manter livres para encontrar uma solução melhor. E se o animal não for uma besta, com certeza será responsabilizado por si mesmo, para salvaguardar sua capacidade de perdoar ou ser perdoado; quando Ser se torna um pé no saco, com livre arbítrio, salvo situações raras, jamais haverá quem escolha ser o pé ou o saco.
Finalizando este aparente contrataque racional a um aparente ataque irracional, as aparências não só enganam como podem ser úteis, Menina, reflita sobre as dificuldades de viver com livre arbítrio, e sua consequente responsabilidade, para todos, sem excessão, em sociedade:
"Quando um sábio aponta a estrela, os alunos tolos olham para seu dedo, apenas."

§

EXISTE UMA BELEZA MODERNA
André Comte-Sponville
do livro Sabedoria dos Modernos, editora Martins Fontes
(fragmento e recomposição livre)

Que haja uma beleza moderna, é algo que não me parece nem um pouco contestável.
Basta olhar as mulheres na rua para perceber:
a beleza está sempre presente, mais que nunca talvez, e é de uma modernidade impecável.

Porque as mulheres não são as mesmas de cem anos atrás.

Seu corpo não é o mesmo, nem, principalmente, sua maneira de vesti-lo.
Suas roupas não são as mesmas, nem sua maneira de usá-las.
Seus olhares, seus sorrisos são diferentes.
Seu andar é diferente, sua postura, essa mistura surpreendente,
pelo menos nos casos mais favoráveis,
de simplicidade e audácia, elegância e humor, graça e sensualidade...

Os homens de hoje tem muita sorte:
as mulheres nunca foram tão belas,
sem dúvida, em todo caso tão conformes a nosso gosto,
nem tão livres, nem tão desejáveis...
Que prazer ser contemporâneos delas!

§

Conforme o prometido, mais um oportuno trecho de meu livro em andamento:

1965 foi muito diferente do ano que se passou e que deixou muita saudade, eu sofria com isso. Só em fevereiro, com meu aniversário de 5 anos, pude retomar aquele presente, a consciência, que, já havia entendido, alguem alhures havia me emprestado e eu ainda não sabia como pagar o impréstimo. Mas algo me dizia que, não tinham levado embora para sempre, haviam só a escondido de mim.
No dia, lembro como se fosse agora, não havia comemoração, só minha mãe lembrou de falar algo referente ao aniversário. Não vou escrever, não porque dói até hoje, não vou, apenas, porque sempre se repetiu a mesma situação, nos meus aniversários e quase sempre também em dias comuns. Mas tomei uma decisão de homem, acho porque foi a primeira grande decisão na minha vida, quando resolvi jamais chorar pela indiferença do mundo. Sabia que era uma atitude fraquinha, mas foi uma atitude de homem, igualzinho ao Veludo.
As crianças deveriam estar longe dos julgamentos morais dos adultos, pensava enquanto caminhava; havia descoberto isso tambem muito recentemente, na época. Foi durante a primeira vez que fui até a igreja sozinho, a igreja de Santo Antônio, a cinco quadras de casa. A recomendação exagerada da minha mãe não me deixava pensar quando atravessava as ruas. Era raro passar carro, como hoje, e só haviam bicicletas, cavalos e carroças. Depois, quando voltava, passou por mim uma moça alta, rosto bem branco, cabelos bem pretos, com uma super mini saia, aquela beleza fêz-me deduzir sem qualquer dúvidas, ela era uma Mulher, era o máximo que uma mulher podia atingir na beleza, ela não era como uma cadela, como uma menina, como a minha mãe, ela era realmente uma mulher.
Parei na calçada para apreciar a moça se aproximar, ao passar ao meu lado ela sorriu para mim, eu lhe devolvi o sorriso. Lembro, só foi ela se distanciar um pouco, eu corri e me agachei para olhar debaixo daquela saia. Não sei se pensei algo para tomar aquela decisão, provavelmente foi apenas curiosidade, que não precisa ser pensada. O que vi, até hoje retenho na memória, não há nada no mundo que me faça esquecer.
Ao chegar em casa, entrei calado, passei direto para o quarto, sentei na cama e pensava na bunda daquela moça, pensava tanto que até podia ver na minha frente e quase podia tocar, sentir parte do corpo tão magnífica. O meu pinto que vinha endurecendo a toda hora doia, latejava, quase pensei que estava doente, eu o olhei, estava muito vermelho, latejava tanto que dava para sentir com a mão, estava muito quente, peguei-o devagar, o calor passou para a mão e o apertei bem forte. Então percebi as cabeças dos meus irmãos se esconderem na janela. Logo minha mãe entrou muito brava comigo. Não entendi nada.
Noutra ocasião, lembro que, talvez na mesma semana, estávamos toda a mulecada da rua junta se deliciando com as goiabas da casa da Dona Júlia; era temporada, esperávamos os donos das casas sairem e atacávamos como nuvem de gafanhotos, e quando chegava reclamação, sempre se devia somente à sujeira do quintal.
A dona Júlia tinha uma filha quase do meu tamanho, a menina não queria comer as goiabas, ela queria brincar de casinha. A mulecada até tacava goiabas, ela não desistia, então fiquei curioso com aquela agressão sem sentido e depois com dó quando uma goiba bem podrona acertou seu vestido, sujando-o, ela chorou, desci do pé de goiba e fui brincar com a menina. A gozação foi geral, eu continuava sem entender, mas pressentia que tudo aquilo, toda aquela violência era natural, como as necessidades fisiológicas de excressão.
A menina se chamava Lidinha. Lembro até dos diálogos. A certa altura da brincadeira, ela quiz ver meu pinto, mostrei. Eu tambem quiz ver e foi uma surpresa quando vi que ela não tinha um pinto tambem. Eu ri muito e ela também. Toquei o cortinho dela para ver se seu pinto estava escondido lá dentro, quando tentei enfiar meu dedo, ela gritou, levantou-se e correu.
Eu fiquei triste, voltei até o pé de goiaba, mas não deu nem tempo para subir quando meu pai passou na rua e olhou para nós, e continuou, como era seu costume, como se nem tinha visto nada. Meus irmãos desceram amedrontados. Fiquei com medo também. Corremos para casa, sentamos no sofá, calados como quem sabe que algo vai acontecer.
Meu pai saiu do seu quarto direto até a cozinha, trancou a porta - a porta da sala era proibida de abrir -, demorou um pouco, e sem dizer nada, apareceu com uma folha de espada de são jorge e bateu em todos aleatóriamente. Fui o único que não pulou a janela ou conseguiu fugir para a proteção da mãe. Fiquei no mesmo lugar do sofá, apanhei muito, sem gritar nem chorar. Meu pai parou de bater e ficou um tempinho olhando pra mim, talvez porque estava cansado, mas foi discutir com a minha mãe. Ela veio, triste, e me abraçou. Comparei, meu corpo estava muito mais quente.
Muito tempo depois que minha mãe voltou aos seus afazeres, alí sozinho vi meu pai sair com uma pequena mala, sem se despedir, sequer olhar para mim. Percebi outra vez, naquele mesmo dia, que eu não estava entendendo nada, do que vinha acontecendo à minha volta. Lembrei que meu presente de empréstimo do ano passado havia sumido da minha cabeça, a consciência, algo a levou embora, ou mais uma vez a escondeu, senti uma tristeza jamais prevista por mim, tão grande que não pude resistir, tampei os olhos com as mãos e chorei, chorei muito.
Ainda lembro que minha mãe me colocou na cama, quiz beijar-me a testa, mas apenas passou a mão em minha cabeça. A tristeza pareceu dor, almentou muito depois que minha mãe não me beijou; foi como se a tristeza viesse de dentro de uma ferida na alma.
Talvez na fronteira entre estar dormindo ou acordado, pude repensar, então encontrar algo de positivo naquele dia. Talvez estes tipos de coisas que existem só no pensamento nem sequer existam de verdade; consciência, tristeza, dor, ferida da alma...
Gostávamos, antes de dormir, menos o Lito, de ficar conversando com a luz apagada. Teve um dia que combinamos de ir nadar em um rio muito longe, fora da cidade e então íamos acordar bem cedo. Era a minha primeira vez que me afastaria para bem longe do lugar em que vivia, então poderia comprovar que existe mais mundo além de até onde meus olhos alcançam. Claro que, já naquela idade disconfiava que outros ou o meu mundo se expandia tambem atravez dos meus pensamentos. E não é surpresa, eu não consegui dormir, fiquei imaginando uma série de acontecimentos e paisagens e pessoas diferentes e animais selvagens e perigos reais...
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8 comentários:

Luciano Fraga disse...

Amigo, comecei a digerir, ou i(racionalmente), ruminar, a propósito, o título do Livro? embora esteja interessado no conteúdo(claro) que já vem dando mostras com poderosas garras, voltarei,abraço.

Adriana Godoy disse...

Um tema para refletir. Quanto a seu livro, muito interessante, como disse o Luciano, tem que se digerir. Vamos aguardar. Voltarei também. Bj

Marcia Barbieri disse...

O livre arbitrio é um ótimo assunto para se pensar,embora tenha pensado muito pouco sobre ele. Amei a imagem. Não li o trecho todo do seu livro, mas voltarei.


beijos

Devir disse...

Marcia, seja muito bem vinda

O sujeito oculto me deixou em dúvidas, mas de qualquer forma, eu ou voce(?), estaremos em igualdade.
Valeu, eu também achei muito louca a imagem, até extrapola ao post.

Tenho acompanhado voce por aqui a muito tempo, não tenho pressa, mas sei que não escaparei, se depender só de mim. Não que seja perigoso ou impertinente, é muito pelo contrário.

Aquele abraço

Devir disse...

Adriana, esteja certa que não vai fazer mal; talvez uma ressaquinha para lhe prender na varanda.

Beijo

Devir disse...

Luciano, agradeço seu otimismo.
Estou meio travado ao ano de 1968, que realmente valeria por si só um livro. O título, deve ser por capricho meu, até em um pequeno texto ou poema, só encontro nos finalmente.
E voce anotou o email? Porque eu gostaria muito de saber as disposições do jardim, e especialmente, para evitar algum passo errado, sobre as flores. Tambem, muitas vezes, fico perdido da sua companhia, é quando penso asneiras, do tipo que talvez voce me abandonou no labirinto de Dédalo e, de repente, mate o minotauro errado. Como voce bem sabe, há um post passado, disse que ainda não tinha a minha Ariadne e continuo sem.

Sinto que estamos avançando bem nos nosso diálogos, isso é bom para nós todos que lêem os blogs.
Talves o amontoado de percepções absurdas se acabem.

Acho que podemos apertar as mãos, ok?

Luciano Fraga disse...

Caro amigo, vamos nós, aliás eu, sem saber se minha concepção está correta.Considero o livre arbítrio um nada, mas um nada, "nada ideal".Parece-me um conceito muito habilidoso utilizado para encontrar culpados, julgá-los e ao mesmo tempo eximir o(s) deus(es), pelo menos daquilo que for praticado e considerado como mal dentro do território delimitado pelo tal livre arbítrio.O sujeito livre é o guerreiro, aquele que é encontrado onde é preciso vencer resistências,corajosamente, assim é considerado imoral.Mestre,"navegar é preciso", concordar não é preciso.Quanto ao seu livro, estou acompanhando com muita atenção, muita mesmo.E gostando bastante, espero mais,acho que vou imprimir, grande abraço amigo.

Devir disse...

Amigo, acaba de afirmar
algo que eu afirmaria tambem
sem a menor dúvida, e, sem surpresas, oferecer provas cabais
para meu modo de apreciar a vida,
porque penso que, nesta altura do campeonato, bola na marca do penalti é gol, é só correr prá galera. O livre arbítrio é como o tal do obscuro objeto do desejo, nunca se pode conquistar, porque não é um ideal, um sonho ou uma ilusão, é, como talvez não saiba a princesa Zana, simples quimérica conjectura.