segunda-feira, 27 de julho de 2009

Sobre manias e virtudes



Em coma profundo

Todos atentos:
- Eu nunca mais subi em uma moto, depois do acidente. Era para não ter sobrado nada, nem eu nem a moto, e nem a mina; ainda em coma, já faz mais de dois meses, mas está viva. E Júlia vai acordar, eu sei, porque ela me deve uma resposta, só ela pode, só ela estava lá e viu o que aconteceu. Estávamos a milhão, na rodovia Raposo Tavares, na madrugada, mais ninguém, quando apareceu a luz, de repente, percebi pelo retrovisor, pensei que fosse outra moto, quando emparelhou não era, assustou-nos, quiz diminuir, freiar ou acelerar, a moto não obedecia, então a Júlia se soltou de mim e eu entrei direto na mata.
- E o que era?
- Não vou dizer, antes da confirmação dela, vão pensar que estou maluco, ou escondendo a verdade.
- Mas voce está escondendo a verdade.
- Veja bem, estou escondendo a verdade do que aconteceu, não a verdade suposta pelos pais dela, que convenceu todo mundo, inclusive a televisão.

Conversas paralelas:
- Mas se voce não contar toda a sua história, podemos continuar contando a nossa história. A técnica não apontou nada além do normal, que voce a jogou do garupa a mais de 150km/hora e forjou sua queda no mato.
- O senhor acha que poderia forjar tres costelas quebradas, a crávicula, o calcanhar? Eu tomei 2 litros de sangue, quase perdi esta perna, e ainda corro o risco de perdê-la.

Sussurros:
- É verdade, voce se deu mal, desta vez. Se voce não conseguir convencer o juiz, vai ficar prêso até que a Júlia lhe convença a nos contar a verdade. E isso pode demorar, pode não acontecer, voce sabe, já conversamos semana passada sobre isso.
- Olha, doutor, eu preciso sair daqui. Eu quero voltar ao local do acidente, quero ficar lá, dia e noite, quero esperar aquela aparição. Quero ficar lá até ver aquilo novamente, vou ficar lá, nem que seja o resto da minha vida.
- Fale para o juiz, quem sabe... Diga que voce está disposto a tanto, que vai comprar um terreno á margem da rodovia, contruirá um posto de gasolina, com restaurante e área de lazer, que vai dar emprego para muita gente, que vai morar em uma casa modesta, com piscina, churrasqueira, vários quartos para hospedar os amigos. Conte seus planos para o juiz, quem sabe?
- E eu vou contar mesmo; estou desesperado doutor.
- E a Júlia, se ele perguntar, o que vai dizer?

Conversa impostada:
- Cacete, ainda não tinha pensado.
- Vai dizer que a levará para morar com voce?
- Não, isso jamais. E se ela morre lá, vão pensar que eu a matei. Negativo, se eu disser isso, estarei ferrado.

Sussurros:
- Calma. Talvez ela não acorda até estar tudo pronto, e do jeito que está agora, não recebe alta do hospital. Não existe sequer um caso onde uma pessoa em coma profundo, esperou a morte em casa; não existe equipamentos e é contra a lei. Eu sou advogado, o seu advogado, portanto se acalme, voce só precisa convencer o juiz.

Aos brados:
- Ele é homem, isso me coloca na dianteira. E se ele der uma pequena abertura, ofereço até uma sociedade nesse negócio.

Esta é uma história verídica. Eu a ouvi ontem, tomando cerveja, ao lado da piscina, comendo churrasco; na única vez que, eles!, conseguiram!, arrastar-me para fora dos livros; a biblioteca do cara era riquíssima em Sociologia, Psicologia e Filosofia. Estávamos em oito homens, e muitas mulheres; segundo o anfitrião, muito bem pagas.

Sem muito esforço pode-se compreender porque o mundo virtual, onde a sinceridade realmente não machuca, é bem mais atraente. Onde é mais fácil manter as relações sociais, quando não há contas emocionais a dividir, porque a verdade e os compromissos com ela são escolhas livres. E a mentira não se faz iluminada, nem aborta sonhos.

Onde a fragmentação do Eu em Outros, em cada identidade, não é sintoma patológico, é quase uma meta a ser conquistada. Por exemplo, que resume toda a diferença na satisfação de viver, via virtual, ser famoso por 15 minutos não é uma dádiva, é somente rotina. E esta, exatamente por isso, é bem menos exasperante, porque ninguem precisa barganhar tudo, às vezes até a própria alma, para merecer tal dádiva duvidável.

Eu sabia que Isabela era apenas mais uma das garotas de programa, quando nua, ainda mantinha seu chaveiro amarrado ao pulso...
Quando perguntei porque se sentia tão insegura, ela me olhou com ódio e aquele olhar foi como me castrar. Voltamos para a sala, para a pequena orgia que se formava. Ela se atracou ao grupo sobre o sofá. Eu fui à cozinha preparar uma bebida com frutas, mastigar qualquer coisa pronta que compramos no caminho.
Isabela apareceu e me perguntou na chapa:
- Voce é viado?
- Não, sou homem.
- Claro, isso se vê, mas eu quiz dizer, eu quero saber se voce gosta de mulher? Voce transou comigo, diga-se logo que foi muito bom, mas depois, por que aquela pergunta?
- Até hoje só transei com mulheres, talvez isso responda. Por que voce se zangou agora a pouco?
- É que, no momento que me perguntou, parece que voce me via como uma maníaca sexual e eu não sou isso. Sou profissional, tenho dois filhos, preciso...
- Está bem, já entendi, se eu deixar voce continuar, alguém vai acabar chorando.
- Por que voce me perguntou aquilo, naquele momento, e porque aquele olhar tão profundo como se um simples chaveiro me vestisse ainda?
- Voce é diferente das outras. Voce é inteligente, sabe observar, percebi isso enquanto vestia a roupa. Então fiquei curioso, voce amarrou o chaveiro...
- Por que, as outras não tem manias? Todo mundo tem manias, e esta sua curiosidade, vai ver também é uma mania sua, é?
- Talvez. Voce não solta nunca seu chaveiro porque se sente insegura, as chaves de seu carro e de sua casa são como um amuleto da sorte?
- Acho que sim, são para que eu jamais esqueça de meus filhos. Está satisfeito?
- Tudo bem, mas tire o chaveiro do pulso, amarre-o na canela e não fique com mais ninguém até amanhã, combinado?

É possível perceber inúmeros julgamentos sumários morais escamoteados nas relações reais. Uma pergunta se faz urgente, se podemos viver, ou simular perfeitamente uma Realidade inquestionável à priori, por que não fazer disso, não uma simulação para assegurar a liberdade de julgar, mas a Vida mesmo, com plena liberdade porém sem pré julgamentos morais?

5 comentários:

Adriana Godoy disse...

Devir, nem sempre é possível acompanhá-lo, mas gostei bastante desses textos. deu pra, pelo menos, entendê-lo um pouco. Beijo.


palavra de verificação: conter
juro!!

Devir disse...

Seja feliz.

Anita Mendes disse...

"Onde é mais fácil manter as relações sociais, quando não há contas emocionais a dividir, porque a verdade e os compromissos com ela são escolhas livres. E a mentira não se faz iluminada, nem aborta sonhos."

devir, gostei muito disso aqui.
primeiro:
de uma certa forma o apego virtual se torna mais revelador que o real. as palavras , a rapidez de uma escrita, o interesse ou desinteresse sobre um assunto: a intenção.São detalhes da "patologia do dia a dia "que escondemos na fala e transportamos na escrita :um espelho que não vemos ,mas que mostra tudo, uma ironia que se interpreta de diversas maneiras . O olhar que não olha mas delata tudo: assustador.Assutador pelas interpretações, pontos mal colocados,gafes de intergeições que nunca falam pela mexida do chaveiro que faltava( entende?).
a pele não cheira, os olhos não desviam :um "mouse" percorrendo a superfície extar-indo o superficial em sumo.
ele é até mais real .... bem mais perigoso.

segundo: sugestão 7 arte: PollocK
(onde a forma abstrata(15 mim)são mais importante que os significados)e Psychopathology of Everyday Life
Sigmund Freud (1901)(só sei o nome do livro em inglês, sorry!)rs

terceiro: te deixo um beijo anónimo(rs).
Anita Mendes.

Devir disse...

Reler minha frase, aquela frase
foi um gesto enorme de carinho e
rss, sem me respeitar a inécia
logo por cima uma sucessão de

Idéias, tão fundamental para mim
quanto o oxigênio, sem elas
não há sentido inspirar-se, assim
kiss ou quero, aqui o tempo pára

§

"de uma certa forma o apego virtual se torna mais revelador que o real. as palavras , a rapidez de uma escrita, o interesse ou desinteresse sobre um assunto: a intenção [na medida do desejo]

[o que] escondemos na fala e transportamos na escrita :um espelho que não vemos ,mas que mostra tudo, uma ironia que se interpreta de diversas maneiras

[estar diando d'] O olhar que não olha mas delata tudo: assustador

Assutador pelas interpretações, [o tesão em] pontos mal colocados,
gafes de interjeições que nunca falam pela mexida do chaveiro que faltava( entende?). [aleluia!]

a pele não cheira, os olhos não desviam :um "mouse" percorrendo a superfície extraindo o superficial em sumo [naúsea contida por Deus]"

§

mordida na nuca [aleluia!!!]

§

Anita, este poema tá quase
porém melhor que seu comment
volte logo, faça outro, ufa!
prometo que serei melhor, rss

§

Psicopatologia da vida diária?

Anita Mendes disse...

Psicopatologia da vida diária.
é isso mesmo.
beijos.