segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Das equiparações involuntárias


Para ser menor que o universo

Desde muito pequeno, talvez do tamanho do pé de meu pai, percebi a força que a saudade mais recente impõe à nossa humana forma de pensar.
Alguns anos mais tarde voltei ao tema, quis saber como controlar essa força oriunda da saudade.
A força é maior quanto mais recente for o fato.
Tentei enumerar; o zero na divisão dos números positivos aos negativos ficaria no ponto onde perdemos a certeza se determinado saudoso fato realmente aconteceu.
Então reservei, creio, quase uma década de vida para classificar as minhas, e também de todas as pessoas que melindravam suas saudades.
Quando ocorreu um imprevisto neste aparato racional.
Eu havia mudado de Marília, SP, para São Paulo, capital, e, na primeira viagem a passeio para rever os parentes, encontrei uma menina, a Marília - hoje se tornou uma excelente criminalista - que tinha na face o que seria quando adulta.
Ficamos de namorico no portão de sua casa até o último momento.
Quando voltei, de ônibus, olhando as estrelas, não recordava suas carícias, mas aquela visão da face da Marília, apaixonante para um menino, que seria o que sou.
(Minha amada amiga Dnyelle, sorri e diz, não disse, não disse, são só seus olhos!)
E me perguntei: Quê saudade era aquela?
Aonde a colocaria em minha escala matemática?
Eu tinha certeza? Poderia aceitar como fato real?
Tudo bem, que atualmente comprovo aquela excelência da imagem, mas ela podia, ou poderia ter-lhe acontecido qualquer outra coisa na vida.
Pensei, então na possibilidade, com 12 anos de idade, no futuro de números supra reais, e, conforme tão bem aludiu Borges, em seu conto A Biblioteca de Babel, transformando os números em finitos, abandonar as classificações atemporais, descartar meu método anterior, principalmente o ponto zero.
A saudade, portanto, infinita, seria descrita exclusivamente com as palavras.
Ela perderia qualquer apreensão singular.
Percebi que havia avançado bem mais à frente da média da civilização.
Vivia momentos de glória em todo lugar, e toda glória cobra um preço maior do que a média.
Maior ou menor, neste caso, não significa classificação; matemática proporcional.
Entende-se melhor como um estado mais operante do que aquele aludido ao ditado: Deus dá o frio 'conforme a quantidade de cobertor'.
Onde portanto me encontro: Deus dá o sono 'conforme a qualidade do cobertor'.
Tudo muito simples, feito passe de mágica, tão segredado, que nem mesmo questionamos a legitimidade 'do truque',
servimos-nos voluntariamente ao espetáculo lúdico.
De alguns anos para cá, quero avançar mais um pouco na média da civilização.
A mesma me insulta, ameaça e ressente minha existência,
mas isso é só sadomasoquismo, mania muito apreciada pelo pensamento médio.
Entre o máximo e o mínimo, uma rara sorte sobrevive aos fogos cruzados.
Faz parte da minha vontade de avanço escolher o mínimo esforço
de artilharia, literária, obviamente.
Talvez, quando li o conto do Pequeno Polegar, de Gaston París, fui influenciado decisivamente.
Separei mínima passagem do conto - explicado!!! - no livro A Poética do Espaço, de Gaston Bachelard, tradução de Antõnio da Costa Leal e Lídia do Valle Santos Leal, Abril editora.

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No caso de uma miniatura contada, como é o caso do conto do Pequeno Polegar, parece que se encontra sem dificuldade o princípio da imagem primeira: a simples pequenez vai facilitar todos os feitos.
Mas, examinada de perto, a situação fenomenológica dessa miniatura contada é instável.
Está, com efeito, submetida à dialética do maravilhoso e da brincadeira.
Um traço a mais basta às vezes para deixarmos de participar da surpresa.
Num desenho, admiraríamos ainda, mas o comentário ultrapassa os limites: um Polegar,
citado por Gaston París, é tão pequeno "que fura com a cabeça
um grãozinho de areia e passa por dentro do grãozinho."
Outro é morto pela patada de uma formiga.
Nenhum valor onírico neste último traço.
Nosso onirismo animalizado que é tão forte, no tocante aos animais de grande porte, não registrou os fatos e os gestos dos animais minúsculos.
Do lado do minúsculo, nosso onirismo não vai tão longe quanto nosso onirismo vegetal.
(Notemos no entanto que alguns neuróticos pretendem ver micróbios roendo seus órgãos)
Gaston París observa bem que, nessa situação em que o Polegar é morto pela patada de uma formiga,
chega-se ao epigrama, a uma espécie de ofensa pela imagem que exprime o desprezo pelo ser diminuído.
Estamos diante de uma contraparticipação.
Encontramos esta forma entre os romanos; um epigrama da decadência,
dirigida a um anão (dizia): "A pele de uma pulga faz uma roupa larga demais para voce".
Em nossos dias ainda, acrescenta Ganton París, as mesmas brincadeiras podem ser encontradas na canção do Petit Mari (Pequeno Marido).
Gaston París dá aliás essa canção como "infantil", o que não deixará de espantar os nosso psicanalistas.
tres quartos de século, os meios de explicação psicológica cresceram bastante, felizmente.
Mas então, para participar realmente do conto, é preciso desdobrar esta sutileza do espírito em uma sutileza material.
O conto nos convida a nos "envolvermos" nas dificuldades.
Ou seja, além do desenho, é preciso tomar o dinamismo da miniatura,
que é uma instância suplementar.
Que ânimo recebemos então do conto se seguimos a casualidade do pequeno,
o movimento que nasce do ser minúsculo agindo sobre o maciço!
Por exemplo, o dinamismo da miniatura é frequentemente revelado pelos contos em que o Polegar,
instalado na orelha do cavalo, é senhor das forças que puxam o arado.

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O que tem isso a ver com Saudade?

Tudo! Tudo que escrevi por aqui.
Porque a saudade é o mínimo de amor
indiferente ao que recebem
que as pessoas podem dar em troca
e devemos agradecer;
poderia tão pior ser somente nada.

9 comentários:

Anita Mendes disse...

deixo essa frase pra ti:
"Para sempre é muito tempo. O tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo."
( Mario Quintana )
beijos enormes...
Ps: Amei a foto do post!

432 disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
432 disse...

Oi, sempre achei que a saudade fosse boa, pq quando as pessoas voltam a se encontrar não perdem o tempo com coisas irrelevante. Só o que realmente importa será pronunciado...

rss

uma pergunta pra você:
Qual a idade da razão?

beijos e abraços.

Luciano Fraga disse...

Caro amigo Devir,momentos, personagens, lugares, lutamos contra o apego,tentamos entender as mudanças e o curso natural das coisas,a finitude, mas em muitas situações a saudade torna-se implacável, forte abraço.

kelen disse...

ha tempos nao venho por essas paragens, mas saudade... ah maldita, nem vinho nem chá resolvem
beijo grande

Devir disse...

Anita, sobretudo o futuro, claro

Calculo que meu presente se perdeu
talvez mais ou menos
seis meses a frente

a foto do cara! rss

o que sua foto me pergunta?

Devir disse...

Enzo, então vou falar somente
o essencial, rss
felicidade

A idade da razão: + ou - assim rss

"Por ter descoberto o mundo
através da linguagem
tomei durante muito tempo
a linguagem pelo mundo.

Existir era possuir uma marca registrada, alguma porta
nas tábuas infinitas do Verbo, gravar nelas seres novos

- foi a minha mais tenaz ilusão -

colher as coisas vivas nas armadilhas das frases."

Quando a responsabilidade é óbvia
para A CARNE SUTIL, e confusa
nA CARNE MACIÇA

Quando compreendemos as inversões
da liberdade para a necessidade

Quando ocupamos plenamente
o próprio ponto de vista
inalienável, e o defendemos

Quando outros pontos de vista
precisam coincidir com o destino

Escrevi uma ficção interessante
vou postar daqui a pouco e
comprar uma bicicleta humildemente

Fiz a barba, cantando Renato Russo
Ainda é cedo

As gêmeas só sorriem para mim
mas pacote de fraudas
custa igual água e luz

Internet tá mal, vídeo apagou
enfim é o momento de plantar
a trepadeira nas colunas da frente
para cobrir a garagem; maquiagem

Vamos jantar?

Beijo

Devir disse...

Luciano, se não a sentíssemos
seria como se nascêssemos
a cada pessoa querida!

Grande abraço

Devir disse...

Grande menina!!!
Pela ocasião, dupla alegria
sobreviver e viver às batalhas, rss
vinhos não envelhecem
chás adoça os grandes beijos
uhm, e tá um tempo próprio
para matar nossa saudade

Valeu, Kelen