terça-feira, 1 de setembro de 2009

Era uma vez aqui


7º DIA
Aí estão os convidados, e eu não devo reclamar,
vão comer salgadinhos e cabelos de milho, suas crianças
brincarão de guerra, e vão sujar todo o chão
porque existe uma empresa para providenciar a limpeza.

Eu fui faxineiro em uma dessas empresas
desde que me tornei homem
e aceitei sem pudor matar

Minha vida foi curta e grossa, agora, por ironia,
sou só espírito - o que eu mais zombava quando sujeito.

Chego até a perguntar, de vez em quando,
lembrança ainda das manias de crianças,
em momentos quando a determinação comanda
para todos ficarem tristes e sérios, por que fico
tão oscilante entre rir ou acordar o defunto;
se são a mesma coisa?

Para presumir a minha liberdade,
sempre escolho outra coisa, quase sempre prefiro
manter a lembrança do que havia de mais importante
quando o sujeito estava vivo.

Então, depois de morto, talvez, por ironia, logo
eu que sempre fui contra as lágrimas, choro.

Meu choro sempre foi uma enchente em vida, e
eu jamais olhava para os estragos nas construções,
sequer para os mortos e feridos.

Não terei nenhum epitáfio digno
da minha irrefutável indignação.

Nada mudou? Claro, ninguém responde.

Nenhum daqueles, que viveram comigo
lado a lado, serão capaz de lembrar, nas poucas vezes...

Só, chorei e só
foi para salvar o sabor da carne,
e sempre fui quem menos comia.

§

Para quem ainda não entendeu Kafka:
Depois de uma série de defeitos inoportunos que ocorreram aqui neste espaço e tempo do devir, podemos enfim postar a entrevista feita em 1920, na ocasião do falecimento do maior pensador vivo naquela época. Agrademos suas paciências, caros raros amigos.

Nosso devir - O sr. afirmou em seu último livro que o ser humano atual vive completamente e simultaneamente feito insetos, a imprensa em todas as grandes metrópoles aplaudiram, o que criou uma onda de protestos, dos setores conservadores, contra sua indicação para presidir as Nações Unidas, diante disso tudo, o que sr. diria aos jovens, para esclarecê-los de que seu pensamento não é apocalíptico?

José da Silva Santos - Não estamos no mundo jogados às traças. A excitação é o fundamento da juventude, aonde assume o ponto óptimo, a evolução a partir da infância e antes da degradação a partir de alteridade sumária. E, o que vale isso na prática? Traçamos também a torto e a direito. É uma prática geral quando se tem e se quer a juventude. Quanto ao efeito que o nome traça, o inseto, a causa encoberta pelo pejorativo, se deve a constatação inevitável de que as traças não possuem ética. São insetos escrotos que não possuem mecanismos internos para sentir dor, umas jamais se preocuparão com outras em essência. Do contrário, só um milagre.

Nosso devir - As traças também não sentem prazer?

José da Silva Santos - Se as traças sentem prazer? Aí está uma coisa 'naturalmente natural' que pode ser desvirtuada, somente porque pelo senso comum e todas as formas de conhecimento se determinou que é impossível dor e prazer inseparáveis. Talvez as traças também não sintam prazer, mas conseguem se organizar em uma prática com este fundamento.

Nosso devir - Qual é o fundamento da dor, então?

José da Silva Santos - Não é um costume benquisto pela sociedade, mas vou devolver outra pergunta. Estamos no mundo então indiferentes a estes insetos sem alma?

Nosso devir - Por que o sr. afirma que as traças não possuem almas como as pessoas normais?

José da Silva Santos - As pessoas que não possuem almas, oh perdão; por favor não publiquem isso para minha posteridade, digo as traças, elas não gostam de dissecar conceitos por conceitos, nomeiam um Deus e somente vivem; a matemática e a prática se transformam em metafísicas, a informação seja ela relevante ou não se finaliza na origem como simplesmente poesia ou religião; em nome de Deus ou da poesia, tanto a fila nos serviços públicos quanto as guerras, ditaduras e revoluções são esquecidas. Até a alma, o nome alma, que não é à toa não ser coisa nenhuma, é criado para terminar qualquer discussão em torno do conceito ética.

Nosso devir - Na prática, evitando qualquer teoria ou reflexão em torno de nomes sem o lastro das coisas, qual é a diferença entre as pessoas e as traças?

José da Silva Santos - A única e fundamental diferença é que uma categoria, as traças, toma como prática o fim ou o desejo de um ou vários objetos de prazer; a isto deu-se o nome eufêmico: sobrevivência sem dor. A outra categoria, as pessoas, sabem que dor existe, são absolutamente separáveis, porque uma elimina ou determina a outra. Prazer é um verdadeiro infinito e dor é um falso infinito.

Nosso devir - Desculpe-me, se vou incomodá-lo sr., qual a diferença, na prática? A verdade tem o lastro das coisas, correto?

José da Silva Santos - Totalmente, a verdade, ao contrário de Deus e a poesia que não se tocam, podemos tocar a verdade, inclusive a verdade de Deus e também da poesia, e não só sentir, mesmo que muitas vezes intensamente. Continuando a resposta de sua pergunta anterior, para evitar a dor tanto quanto for possível, bastam poucas coisas, mas para vencer uma perturbação da ética pela falta de prazer, é preciso se não antes, mas todas as coisas e nomes; ética, arte, religião, etc., e ainda não há garantias.

Nosso devir - Parece que o sr. enxerga uma fissão e logo após esta, a inversão dos sentidos das partes. Por exemplo: A fissão entre os nomes e as coisas, então aos nomes, ficaram nos fundamentos da vida, e às coisas na sua relatividade. Qual é a consequência para o futuro das pessoas, já que para as traças, como pude entender, vivem em um presente perpétuo?

José da Silva Santos - O nome fissão, aqui, é emprestados de outros sentidos, de conceitos de outras coisas. Sua pergunta é excelente, porque nos dá um exemplo melhor ainda do que o outro, e demonstra o fundamento de tempo, já deslocado ou invertido - até me esclareceu sobre minhas próprias palavras e ideias - passado e futuro para a coisa ser humano são absolutos, de maneiras complementares, "o passado não volta mais" e "o futuro a Deus pertence", enquanto isso "no presente tudo é relativo". Isso é estupidez profunda, quase patológica. Justamente a diferença fundamental que dizia antes, entre as pessoas e as traças, não importam os nomes, títulos ou simpatias espírito/materiais, com raras excessões entre traças e pessoas, a esmagadora( ! ) maioria de pessoas e traças, cada um por si, absolutamente, só vivem por si, não estão mesmos preocupados com prazer para todos e não se sentem interagidos na dor com todos, portanto a diferença é mais entre a maioria e a 'esmagada minoria' de pessoas e traças. Traçar metas para o mundo é muito diferente de meter traças pelo mundo, Fêssor; dizia eu na infância.

§

Stageer Lee - Nick Caves & Bad Seeds
Eu ia colocar a letra colada do Vagalume, mas resolvi variar. Lembrei de meu irmão de história Paulo Tavares. Ele também não chuta abóboras debaixo da mesinha de centro.
E jamais vou querer saber a tradução, a menos que ele, ou alguma pessoa que sabe o que significa história, em todo este contexto, faça muita questão.

§

Ao rajar dos panos sem nunca rasgar,
definitivamente distante do ranger dos dentes,
faço minhas as palavras do mundo,
porque não acredito na palavra do homem,
a maneira dos desesperados por qualquer coisa,
que ficam em silêncio quando deviam apenas ficar
ao lado da verdade.

"Quem quer ser milionário?" Quem quer ser candidato a sair da miséria?
Ou, quem quer ser imortal? Existe algum candidato a sair dessa miséria?

Questões bombásticas!!!

Vamos lá, gritem contra elas, ou rss rezem a seu favor,
e nem tentem entendê-las
apenas para afetivar seus discursos sobre Deus e o diabo.

O afeto nunca parte, pode quase sempre
terminar, na própria pessoa.

5 comentários:

Luciano Fraga disse...

Caroa migo Devir, dessa vez não houve necessidade de ruminar, ao contrário, tracei tudo...Por acaso qual o sexo das traças?Abraço.

Adriana Godoy disse...

Li e gostei e entendi. bj

Devir disse...

Ambos, Luciano.
Voce não está cansado? De repente
a brincadeira perdeu a graça e só,
não se cria mais debates ao luar
dentro do monitor de cada um. Mas
preciso realmente elogiar, criamos
uma unanimidade sem imposições.
Isso foi realmente sensacional!
Quase uma metáfora histórica do
"exécito de um homem só". Também a
impossível luta de todos contra um
e um contra todos, Robson Crusué.

Abraço

Devir disse...

Valeu, Adriana Godoy
Seus comentário são bem vindos
sempre, uma grande força.

Beijo

Anônimo disse...

Ninguém quer limpar a sujeira dessa missa de sétimo dia. No chão muitas pétalas, folhas secas e algumas etiquetas de funerárias locais. O sujeito era muito querido, levaram-lhe muitas coroas para uma última homenagem. Ménage à trois: Kafka, José da Silva Santos e o espírito, agora morto mesmo! Sorte a sua que ainda pode chorar.